sexta-feira, setembro 24, 2004

Hábitos de consumo e transporte

Certa vez eu estava em uma pizzaria no centro de Porto Alegre e, bem atrás de mim, havia um grupo de americanos. O que estavam fazendo na capital gaúcha, não sei. Eu conseguia ouvir tudo o que eles diziam, mas não me meti na conversa. Sei o quanto eles prezam a reserva e a privacidade. Mas o comentário de um deles me chamou a atenção: "Já observaram como aqui tem de tudo? Computadores, equipamentos de som... Como pode haver tudo isso se não há dinheiro?" Nessa hora quase pedi um aparte. Mas achei melhor ficar na minha.

O primeiro impulso, como sempre, é o de achar que os estrangeiros têm uma imagem errada do Brasil. Mas não é bem isso. Em comparação com os países de primeiro mundo, os brasileiros passam dificuldades, sim. Não todos, é óbvio. Mas nossa classe média tem um padrão diferente. Nosso orçamento é mais controlado. E o raciocínio dos estrangeiros é simples: quem não tem dinheiro não deveria gastar. Não é lógico? Mas nós pensamos diferente. Podemos ter nascido num país de economia instável, mas temos uma vida só pra viver e não vamos deixar de desfrutar do que pudermos. Se tivermos que morar num apartamento pequeno, que seja. Mas ele terá computador, DVD e equipamento de som. Pagaremos a prestação, economizaremos na gasolina, mas não deixaremos de consumir.

Por falar em gasolina, nos Estados Unidos, só anda de ônibus quem por algum motivo não pode tirar Carteira de Motorista. Alcoólatras, por exemplo. De resto, até faxineiras e empregadas domésticas conseguem comprar seus automóveis. Já aqui no Brasil o ônibus é utilizado até por quem tem carro. E também por quem não tem, óbvio. Mas mesmo os que não têm, é possível que não se privem de consumir outras coisas, como os já citados computadores e equipamentos de som.

Eu tenho carro, mas ando de ônibus sem problemas. Só tenho uma mania. Pode ser orgulho, presunção, peso da idade ou mesmo do corpo, mas eu me recuso a correr para alcançar ônibus. Ah, não corro. Acho o cúmulo da humilhação terceiro-mundista. Nas poucas vezes em que fiz isso, entrei no coletivo todo esbaforido, com os batimentos cardíacos lá em cima e o corpo pronto pra começar a suar dentro da roupa de trabalho. Então não faço mais. Chego calmamente na parada e espero o próximo. Perco o ônibus, mas não perco a pose.