quinta-feira, setembro 16, 2004

Objetividade verbal

Ao comentar o meu texto "Objetividade visual", publicado abaixo, meu sobrinho Rafael Barcellos, que é publicitário, resumiu: "difícil é fazer o simples". E isso vale para a escrita, também. Escrever bem não significa necessariamente redigir de forma pomposa ou rebuscada. Há quem consiga ter um estilo ao mesmo tempo claro e pernóstico. Mas às vezes o dom da escrita está em apresentar as idéias de forma limpa e objetiva. Nem todos conseguem. Chega a ser divertido observar a forma como alguns redatores tentam "enfeitar" seus textos. Os resultados são desastrosos.

A seguinte frase é um exemplo de boa redação:

"Um sentimento pungente me dominava, abafando uma vaga, uma imprecisa sensação de sarcasmo."

Então? Parece simples, não? É o tipo da frase que não revela necessariamente traços de genialidade em seu criador. É apenas uma redação clara. Essa era a alternativa correta em uma questão de português do Vestibular da UFRGS de 1979, preparado pela Fundação Carlos Chagas. A proposição era apontar a frase melhor redigida. E ainda que alguns digam que é algo subjetivo, a forma como as alternativas foram elaboradas não deixa dúvidas para quem sabe analisar. Senão, vejamos esta:

"Eu sentia duas coisas: uma imprecisa sensação de sarcasmo e um sentimento pungente que, ao dominar-me, abafava o mesmo."

"Abafava o mesmo?" Que coisa, hein? E, no entanto, muitos redigem dessa forma. Acham que soa bem e demonstra erudição.

Outra:

" Uma imprecisa e vaga sensação sarcástica me abafava a pungência que me dominava."

Que belo eco! Essa frase tem até ritmo! Se fosse musicada, poderia ser o começo de uma letra dos Engenheiros do Hawaii.

Mais uma:

"O sarcasmo impreciso e vago era abafado pelo sentimento que eu sentia, pungente dentro de mim."

"Sentimento que eu sentia" é ótima, lembra a "dor que dói" do Renato Russo. E o que era pungente: o sarcasmo ou o sentimento?

E a última:

"Tão pungente que era, dominava-me um sentimento que abafava a sensação de sarcasmo, por sua vez, vaga e imprecisa."

HEIN? Repete, que eu não entendi nada! Ah, não era pra entender, mesmo. Era só pra soar bonito e demonstrar inteligência.

Eu considerei essa questão de Vestibular uma obra-prima. O exemplo perfeito do que significa boa redação. Mais importante do que tentar rebuscar um texto é saber encadear as idéias de forma natural e objetiva.