quinta-feira, novembro 25, 2004

Sabedoria de mãe

Acabo de ler uma mensagem espirituosa num grupo de discussão dizendo que quem faz chover é o homem da previsão do tempo. Claro, sempre que ele diz que vai chover, chove. Se é assim, na minha infância e adolescência, quem fazia chover era a minha mãe. Incrível, mas eu confiava nela cegamente a ponto de perguntar se iria chover ou não. E se ela dissesse que não, eu saía sem guarda-chuva.

Não sei de onde eu tirava essa noção exagerada de que minha mãe era onisciente. Acho que todos nós, até uma certa idade, temos uma ou mais pessoas que nos servem de parâmetro para tudo. Até para prever o futuro. Se minha mãe dissesse "vai dar tudo certo", eu ficava tranqüilo. Se ela tinha dito, é porque ia mesmo. Ela sabia. Não sei como, mas sabia. E eu acreditava piamente nisso. Esse tipo de condicionamento pode trazer problemas mais tarde. Chega um instante em que nos tornamos adultos, mas não nos damos conta. Continuamos submissos à sabedoria de pessoas que não são perfeitas, mas temos dificuldade de questioná-las. É difícil assumir o momento em que chegou a nossa vez de sermos oniscientes. Até para nós mesmos.

É claro que sinto falta de minha mãe para conversar, para trocar idéias, um ombro pra chorar, também. Procuro não sofrer por isso. Ela se foi, mas o carinho e as coisas que ela me ensinou estão vivas dentro de mim. Mas ela faz muita falta para prever o futuro. Sem ela o amanhã, ou mesmo o daqui a pouco, virou realmente uma incógnita. Agora não tenho ninguém para me dizer se vai chover hoje. O Cléo Kuhn? Ah, ele erra às vezes. Minha mãe nunca errava. Querem a prova?

Aos 13 anos eu estava nos preparativos para minha primeira viagem aos Estados Unidos. Pouco tempo antes do embarque, acho que menos de duas semanas, minha avó foi hospitalizada em estado gravíssimo. Eu usava a minha pouca idade como pretexto para fingir que não enxergava o quanto ela estava mal. Meus pais seguiram em frente com os planos da minha viagem. Só o que fizeram foi pedir que a minha "festa de despedida" fosse na casa de uma amiga vizinha. No aeroporto, no dia 14 de julho de 1974, em minha inocência eu cometi uma crueldade. Perguntei para minha mãe: "Mãe, quando eu voltar a vó vai estar em casa?" E ela, sem hesitar: "Vai, sim." E com essa palavra de tranqüilização eu embarquei. Mandei um beijo para a vó no cartão postal que enviei.

Na volta, quando desembarquei, perguntei se a vó estava em casa. E estava. Sentada na cama o dia inteiro como sempre, mas estava. Ainda lembro dela abrindo os braços quando me viu: "Ele voltou!" Eu respondi: "E ela voltou também!" Minha vó teve uma recuperação surpreendente enquanto eu estava nos Estados Unidos. Parou de fumar e viveu mais sete anos. Minha mãe nunca esqueceu o peso que sentiu com a pergunta que eu lhe fiz antes de embarcar.

Mas, como sempre, ela deu a resposta certa.