quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Perguntas óbvias

Quem é da minha geração deve lembrar das "Respostas Cretinas Para Perguntas Imbecis", da Revista Mad. Eram criação de Al Jaffee. E também do Pedro Bó, do programa Chico City. Se alguém aí ainda responde a uma pergunta boba com um "não, Pedro Bó", está revelando a idade. É preferível citar a "tolerância zero" do "Zorra Total".

Mas, se pararmos pra pensar, existe uma sutil diferença entre uma pergunta boba e uma pergunta de rotina. Imagine que você sai com seu cão pela coleira e o vizinho pergunta: "Vai levar o cachorro para passear?" Você até pode dar uma resposta cretina à moda de Al Jaffee ou Pantaleão. Mas estará sendo indelicado. Porque a pergunta não tem como objetivo obter uma informação ou confirmação. O vizinho está vendo que você vai levar o cachorro para passear. A pergunta é uma forma de contato, uma maneira de transmitir interesse em você e no seu mundo, uma demonstração de que ele não o está ignorando. É como um cumprimento disfarçado de pergunta. Em vez de "bom dia", um questionamento amistoso adaptado à situação.


Não vai muito longe: quem nunca disse na vida um: "é mesmo?" Analisando bem, "é mesmo?" pode ser uma pergunta boba. A interpretação ao pé da letra seria a de que o interlocutor está duvidando da sua palavra. Você acabou de relatar algo interessante e ele pergunta: "é mesmo?" Uma pessoa mais implicante teria a chance de responder: "não, contei essa longa história, mas é tudo mentira". Na prática o "é mesmo?" confirma que o relato que você acabou de ouvir é realmente impressionante.

As perguntas de rotina já fazem parte das relações interpessoais. Ela cumprem a função de manter os indivíduos em contato de uma forma amena e não-intrusiva. Por outro lado, em Jornalismo, elas seriam válidas? Rosana Herrmann, em seu blog "
Queridos Leitores", fez uma crítica severa a um repórter da Globo que estava cobrindo o Carnaval. Ela achou absurdo que ele perguntasse a Zeca Pagodinho: "E aí, a Portela tá entrando para arrebentar com tudo?" Como se houvesse a menor chance de ele responder que não. É claro que, no uso profissional, a Comunicação deve se processar por normas mais rígidas do que no dia a dia. Mas, numa pergunta rápida, até acho que uma frase como essa pode ser considerada válida. Ela não tem necessariamente o objetivo de obter uma informação, mas sim de estimular o entrevistado a fazer um pronunciamento rápido. É como no futebol. Antes da partida, o repórter pergunta ao jogador: "E aí, Fulano, preparado para o jogo?" Ora, é claro que ele vai dizer que está, sim, preparadíssimo. A pergunta é apenas uma deixa. E bem mais simpática do que, por exemplo, "diga alguma coisa para os ouvintes da Rádio Tal".

De forma alguma estou pretendendo fazer uma apologia às perguntas bobas. Elas existem, sim. Eu próprio citei o exemplo do repórter que perguntou ao chefe dos bombeiros em São Paulo, enquanto saía fumaça sem parar do prédio em chamas: "Fogo ainda ou só fumaça?" Lembro de casos piores, como o do pai que teve a filha pequena assassinada e o jornalista quis saber: "O que significava sua filha para você?" Apenas acho que há tipos de perguntas óbvias que já se incorporaram ao cotidiano e que não mereceriam as críticas ferinas de Al Jaffee e outros. Aliás, sinceramente, prefiro mil vezes ouvir perguntas óbvias do que questionamentos concretos do tipo: "Quem fim levou aquela morena que vinha no seu apartamento no ano passado?" "Está sem namorada?" "Com quantos quilos você está?" No meu caso, guardo as respostas cretinas não para as perguntas imbecis, mas para as indiscretas.