terça-feira, março 22, 2005

Os sonhos e as surpresas

Vocês já tiveram sonho com enredo? Eu tive um anteontem. Quando digo enredo, quero dizer trama, como de filme, com suspense, viradas inesperadas, princípio, meio e, talvez, um fim. Digo talvez porque raramente um sonho tem fim – e não só no sentido metafórico. Se tivesse, haveria o desfecho, possivelmente um epílogo e aí a gente acordaria. Na prática, quase sempre acordamos antes. Ainda mais quando aparece uma situação complicada. Aí, algum dispositivo de emergência nos avisa que nada daquilo está acontecendo e a solução é abrir os olhos. Não sei vocês, mas eu, quando acordo de um sonho em que me meti em encrencas, ainda fico alguns segundos me convencendo de que não foi verdade.

Mas o que mais me intriga nos sonhos com enredo são as surpresas. Explicando melhor: na vida real as surpresas acontecem por fatores externos. Se você encontra alguém na rua de forma inesperada, é porque a pessoa estava ali. Se alguém vem visitá-lo sem avisar antes, foi a iniciativa do visitante que ocasionou o fato. Já na ficção, como livros, filmes e novelas, as surpresas são premeditadas pelos autores. Só são realmente surpresas para os leitores ou espectadores. Foi tudo planejado pelo escritor. Mas quem prepara as surpresas nos sonhos? A gente mesmo? Como podemos ser surpreendidos por algo que saiu da nossa própria cabeça?

Imagine a cena. Você sonha que está chegando em alguma cidade. De repente, aparece um amigo que você não via há tempos, alguém que nem é freqüente no seu dia a dia. E você fica surpreso. Ora, quem colocou aquela pessoa no seu sonho? E por quê? Ou então, você está almoçando tranqüilamente num restaurante. Súbito, aparecem três homens armados e avisam que é um assalto. Se você soubesse que aquele restaurante seria assaltado, não estaria ali, correto? Mas você não sabia e foi surpreendido. E, no entanto, é tudo um sonho. Sua própria cabeça criou os assaltantes.


Já ouvi falar de compositores que sonham que ouvem uma música inédita num show ou no rádio e depois acordam com a canção pronta. E a sensação que têm é a de que não criaram nada, apenas conheceram uma composição alheia e a ganharam de presente, sem nenhum esforço. O mesmo deve acontecer com poetas e ficcionistas. Nosso cérebro é literalmente uma caixinha de surpresas. Que imaginação fantástica a nossa que cria histórias de suspense para surpreender a nós mesmos. Não deve ser assim tão simples, devem existir roteiristas secretos escrevendo enredos para os nossos sonhos. A gente não descobre quem é porque sempre acorda antes dos créditos finais.