sábado, abril 09, 2005

A crise dos 20 e poucos

Muito se fala nos problemas que os pais enfrentam com seus filhos adolescentes, a rebeldia, o choque de gerações e blá blá blá. No entanto, conversando com colegas, observando outras famílias e lembrando a experiência que eu mesmo vivenciei quando era jovem (mas não me chamem de velho), acho que existe uma outra faixa etária dos filhos que é mais crítica, que é a dos 20 e poucos anos. Isso tem muito a ver com a nossa cultura. No Brasil, é comum filhos morarem com os pais mesmo depois de adultos. Claro que não é regra geral: muitos vêm do interior estudar na capital e assumem desde cedo a sua independência. Mas cada vez mais ouço as mesmas histórias sobre os filhos de 20 e poucos anos que parecem não se preocupar com o futuro.

Eu mesmo passei por isso. Lembro das brigas com meus pais, eles querendo me abrir os olhos para o fato de que eu era temporão e iria perdê-los bem cedo. A verdade é que, após 20 anos de casa, comida e roupa lavada, fica a impressão de que tudo acontece de forma automática. A comida surge na mesa duas vezes por dia, as roupas deixadas no chão reaparecem no armário limpas e passadas e a bagunça do quarto se ajeita sozinha da manhã para a tarde. À noite, a cama estará arrumada. Acostumamo-nos que isso acontece dia após dia, tão certo quanto o sol estará brilhando de manhã e cairá à tardinha.

Até que um dia lá vêm os pais encher o saco com aquela conversa de trabalho. Que está na hora de assumir a independência, pensar no futuro, fazer uma faculdade e conseguir um emprego. Enquanto isso, a comida continua aparecendo na mesa nas horas certas. Talvez valesse a pena ter um pouco mais de dinheiro para o supérfluo, mas o essencial continua ali, como se caísse do céu todos os dias. Outros enfrentam problemas cada vez mais comuns, como a separação dos pais e conseqüente necessidade de contribuir para a caixinha da casa. Aí, sentem-se revoltados, onde já se viu, eu, Fulaninha, que só tenho 21 aninhos, trabalhando? Como ousam cometer esse crime contra a minha juventude? Que culpa tenho eu dos rolos dos meus pais?


Crescer é difícil. Eu próprio, aos 44 anos, ainda me pego esquecendo que a roupa que cai no chão não irá reaparecer automaticamente no armário limpa e passada. Mas agradeço aos meus pais o empurrão em direção à independência financeira. Hoje ouço histórias de amigos e colegas e seus marmanjos de 20 e poucos anos que não sabem se saem para revolucionar o mundo ou compram uma bicicleta. Uns ainda dependem financeiramente de seus pais, outros se revoltam por ter que trabalhar. A maioria ainda não se deu conta de que, um dia, eles mesmos terão que aprender aquela mágica que faz surgir comida na mesa duas vezes por dia. E quanto antes começarem a ensaiar o truque, melhor para todos.

1 Comments:

Anonymous hupe said...

força!

8:14 AM  

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