segunda-feira, maio 09, 2005

Futebol sem alegria

O goleiro Eduardo quer ir embora do Grêmio antes do fim do seu contrato. Abre mão de um salário mensal de 30 mil reais em troca de sua paz de espírito. Enquanto isso, a torcida do Corinthians parte para a agressão porque o seu time perdeu de goleada para o São Paulo. Tudo isso me faz pensar que, há muito tempo, acabou a alegria no futebol brasileiro. A vitória não é mais um objetivo, é uma obrigação. Se ela vem, até é comemorada, mas de uma forma quase doentia, como uma catarse. Por outro lado, se vem a derrota, os jogadores são execrados.

Mesmo na minha infância, no meu período de colorado fanático, eu já observava isso. Lembro de uma ex-cunhada minha que era gremista doente. Um jogador fez uma bobagem e ela disse: "Esse cara é um idiota." Fiquei com aquela frase na lembrança por todos esses anos. Um sujeito a quem ela nem conhecia, não sabia se era honesto, correto, de bom caráter, foi chamado de "idiota" porque errou uma jogada. E assim um time inteiro, quando perde, aos olhos da torcida, vira um bando de idiotas.

Comparem com o que acontece em outros esportes. A ginasta Daiane dos Santos decepcionou na Olimpíada. Não vamos negar. Mas nem por isso foi hostilizada. Pelo contrário, a postura da torcida era contemporizadora, tudo bem, valeu o esforço, melhor sorte na próxima vez. E com isso ela teve tranqüilidade para se recuperar e buscar novas vitórias. Tanto quanto eu veja, o mesmo ocorre com o tenista Guga e outros esportistas brasileiros que se destacam em suas modalidades. Não são obrigados a vencer. Mas têm o apoio sincero e carinhoso da torcida.

O principal argumento do goleiro gremista para se afastar foi a zombaria enfrentada na escola por seu filho de sete anos. Pode haver crueldade maior? Seu pai talvez não esteja correspondendo ao que a torcida esperaria, mas é um profissional honesto, de mérito, correto, competente, ou não estaria lá, titular da posição, ganhando sei lá quantas vezes mais do que eu e você juntos. Mas a torcida não perdoa. E essa gana doentia passa de pai para filho e vai desembocar num inocente que com certeza não tem condições sequer de entender o que está acontecendo. Por que seu pai, que aos olhos do filho é uma pessoa boa, é tão mal falado na escola?

Eu não tenho dúvidas: não há mais alegria no futebol. O que existe é uma cobrança perversa de que os jogadores nos dêem vitórias para compensar nossas frustrações e justificar seus salários. Em meio à crise, a torcida gremista teria a chance de se mostrar incentivadora do clube nos bons e nos maus momentos. Mas nem isso está sabendo fazer. E assim, o goleiro Eduardo se retira solenemente, para salvaguardar sua família de uma hostilidade que o dinheiro já não consegue amenizar.