sexta-feira, junho 24, 2005

Bowie em português

"Batman Begins" estava no topo de minhas prioridades de cinema, até que vejo no jornal que estréia hoje "A vida marinha de Steve Zissou" (The Life Aquatic). Quero ver esse filme por uma razão óbvia: o ator brasileiro Seu Jorge participa no papel de um especialista de segurança que tem mania de cantar músicas de David Bowie em português. Os estrangeiros que já viram o filme disseram que gostaram das versões. Claro: não entenderam as letras...

Na verdade, os americanos não costumam apreciar músicas cantadas em outro idioma que não o deles. Só os ouvintes mais curiosos escutam canções em língua estrangeira. Para fazer sucesso nos Estados Unidos, tem que cantar em inglês. Para eles, ouvir música num idioma estrangeiro é o mesmo que ouvir poesia em outra língua: não faz sentido. Com isso, eles acham que a mesma norma vigora nos demais países. E imaginam que, se um brasileiro fosse fã de David Bowie, seria um negro chamado Pelé (o personagem de Seu Jorge se chama Pelé dos Santos) que verteria as músicas para o português para poder cantá-las ao violão. Nem passa pela cabeça deles que o brasileiro gosta de cantar em inglês, mesmo que seja "Iarnuou" ou seja lá como foi que aquela Big Sister cantou "We Are The World". Os americanos que viram o DVD "Rush in Rio" ficaram surpresos de ouvir a platéia toda cantando as letras do Rush com perfeição. Sem contar o mico de artistas como Barry Manilow e Sting, que gravaram músicas em português imaginando que isso lhes daria mais chance de sucesso no Brasil.

Uma coisa é certa: a nossa perspectiva do personagem do filme não será a mesma dos estrangeiros. Nós somos brasileiros, sabemos quem é Seu Jorge e entenderemos as letras. Já ouvi algumas pela Internet. "Rebel Rebel" virou "Zero a Zero". Talvez para os americanos o exotismo pretendido pelo diretor tenha atingido o seu intento. Para nós vai ser algo um tanto estranho. Até mesmo porque o perfil dos fãs brasileiros de David Bowie não tem nada a ver com uma figura como a de Seu Jorge.

Em geral, os fãs brasileiros estão gostando da novidade. Provavelmente imaginam que o filme criará uma conexão Bowie-Brasil, aumentando as chances de uma terceira vinda do cantor (ele já se apresentou aqui em 1990 e 1997). Agora imaginem Seu Jorge abrindo para Bowie. Pior: fazendo um dueto com Bowie! Acho que, com o tempo, esse episódio será arquivado na pasta dos equívocos e solenemente esquecido. Ainda não vi o filme, mas com certeza essa não é a melhor forma de promover Bowie no Brasil, nem de divulgar os fãs brasileiros no exterior.