terça-feira, junho 28, 2005

A ditadura das novas versões

Alguém poderia me explicar qual é o sentido de atualizar a versão de um software para continuar fazendo a mesma coisa? Tem sido assim desde que comprei meu primeiro computador, no final de 1995. Desde então, fora alguns brinquedinhos de áudio e vídeo, meu uso do equipamento tem sido basicamente o mesmo: navegação na web, edição de textos, troca de arquivos, mensagens e chats. Apesar de todos os upgrades e até de uma recente troca de computador.

Nesta semana descobri que vou ser obrigado a atualizar o meu Adobe Acrobat Reader. A empresa de traduções vai me enviar uma versão nova. Comentei com a secretária que achava um absurdo ter que fazer isso, mas ela argumentou: "Todos os nossos documentos em PDF são gerados nessa nova versão, então vais precisar dela para conseguir abri-los". Bela explicação. Sou forçado a atualizar o meu software para poder continuar trocando arquivos com outros usuários que também atualizaram os seus. Mas que benefício nós todos tivemos com isso? Nenhum. Fomos todos compelidos a gastar em upgrades inúteis para nos mantermos compatíveis e continuar fazendo a mesma coisa!

Tá, estou exagerando. Eu sei que não é bem assim. As versões atualizadas de software sempre trazem novos recursos. Aí eu pergunto: quem solicitou essas implementações? Eu? Você? O normal seria os fabricantes responderem às demandas dos usuários. Na prática, a Microsoft e demais empresas seguidoras de maus exemplos nos empurram goela abaixo as famosas melhoras não solicitadas. Em alguns casos, corrigem alguns bugs – mas criam novos em seu lugar. Por mim eu estaria até hoje usando o Word 6.0. Ele atendia às minhas necessidades. Tive que substituí-lo pela mesma razão que terei que instalar a nova versão do Acrobat Reader: para poder continuar trocando arquivos com a empresa de tradução. Benefícios, mesmo, não tive nenhum. E mais cedo ou mais tarde, em efeito cascata, a gente ainda tem que aumentar o disco, a memória e a velocidade do processador para acomodar essas melhoras não solicitadas. Para continuar fazendo a mesma coisa!

Sempre que eu entro no MSN ele me avisa que há uma nova versão disponível. O anúncio não é exatamente uma oferta: noto que há uma certa "cobrança". Como se a repetição do aviso cada vez que eu entro tivesse um tom de reprimenda: não atualizou ainda? Ora, e por que deveria? Estou satisfeito com a edição atual. Está funcionando bem. Ou quase. Tenho uma amiga "
emoticonsilábica" que às vezes digita um código e, em vez de surgir a "carinha" que ela programou, aparece uma seqüência de caracteres. Então eu seria obrigado a atualizar o MSN para poder enxergar as novas opções de emoticons. Que baita vantagem! Justifica plenamente a substituição e o espaço em disco que vai ocupar!

Eu sei que há pessoas que se entusiasmam em adquirir novas versões. São os mesmos que fazem questão de ter sempre o carro do ano. Só que, no caso do carro, o usuário – quer dizer, o motorista – tem a opção de continuar com o mesmo, se quiser. Eu, por exemplo, tenho o mesmo automóvel desde 1989. E se um dia comprar um novo, ele andará nas mesmas ruas e estradas e caberá no mesmo box onde hoje coloco o meu Gol velho de guerra. Eu tento ao máximo exercer o meu direito de manter o mesmo software, em sua versão mais antiga e enxuta, mas chega um momento em que a ditadura da obsolescência forçada me deixa sem escolha. Foi assim com o Outlook, por exemplo. E com o novo programa do Imposto de Renda, que não funcionava no meu antigo sistema operacional. O procedimento em si da declaração não mudou. Apenas a nova versão do software implementou melhoras não solicitadas.

Ninguém me convence que isso tem lógica. Ficamos todos atualizando nossos equipamentos e recursos para nos adequar aos novos padrões do mercado e, no final das contas, nenhum valor nos é agregado. Vamos ver por quanto tempo mais eu conseguirei usar minhas versões atuais do Word e do Outlook até que comecem a me chegar arquivos e mensagens que eu não consiga ler. Aí, só atualizando. Pra continuar fazendo a mesma coisa!