segunda-feira, junho 27, 2005

O dia de glória do touro

Às vezes fico pensando como, para os animais, o homem é um grande inimigo. Aliás, o desenho "Bambi", de Walt Disney, focaliza isso muito bem. E a discriminação estética que os humanos impõem entre si mesmos também é transferida para os animais. Peixes bonitos e vistosos vão para o aquário. Peixes feios e gordos vão para a panela. Baratas nos causam repulsa, embora não tenham culpa de ser como são. Borboletas são admiradas. Mas mesmo assim são caçadas para exposição. Pensando bem, os bichos não têm muita escolha: ou são capturados para exibição ou consumo, ou são simplesmente exterminados. Sobram os animaizinhos de estimação, como cães e gatos.

A essas alturas vocês já devem estar sabendo do touro que escapou de um leilão no cais do porto, ontem, em Porto Alegre, e foi parar no parque da Redenção. Somente lá ele foi recapturado. Pensando bem, o touro ainda é um dos animais mais felizes da terra. É um escolhido. Mas vive em cativeiro. Com espaço, mas com limites. Pois este touro que escapou viveu uma rara experiência de liberdade. Deu uma longa caminhada pela cidade. O depoimento de Fernando Bonotto, dono da ABN Agropecuária, para Zero Hora, diz tudo: "Ele estava tranqüilo. Parava onde tinha verde, como no Gasômetro, no Parque da Harmonia e na Redenção. Quando o pessoal tentava pegá-lo é que disparava".

Esperto esse touro. Sem conhecer a cidade, descobriu os pontos mais interessantes de se visitarem num domingo. Eu me pergunto se o animal, em sua irracionalidade, teve consciência do momento especial que vivenciou. Pensando bem, que inveja! Enquanto eu estava fechado em meu apartamento trabalhando, o touro fez um "tour" dos parques da cidade. Livre das cercas e dos laços, avançou sem limites pela Avenida Mauá, seguiu pela perimetral do Gasômetro, Avenida Loureiro da Silva, Avenida Perimetral, até finalmente chegar à Redenção pela área próxima aos prédios da UFRGS. Quantos quilômetros dá isso? Uns quatro ou cinco? Muita gente não se animaria a perfazer essa distância a pé.

Só foi capturado na Redenção porque cansou. Do contrário, provavelmente teria cumprido o ritual domingueiro de quem está em Porto Alegre e passeado pelo Brique. E no final, um dado curioso: ao ser arrematado no leilão, rebelou-se. Recusava-se a sair da pista e entrar no brete. Claro: havia descoberto que existia um mundo diferente além das cercas de uma propriedade rural. Percorrera esse mundo com as próprias patas sem encontrar uma só barreira pela frente. Não agrediu ninguém, não causou danos, apenas viveu uma aventura ímpar que dificilmente outro touro conseguirá repetir. Conheceu os parques da cidade e gostou. Não queria voltar.

É uma pena que touro não fale. Porque este teria uma bela história para contar para os netos.