segunda-feira, julho 04, 2005

Mitos e falsas verdades

Mesmo depois de Luis Fernando Verissimo ter divulgado em sua coluna o nome da verdadeira autora do "Quase" – Sarah Westphal, nossa amiga do Orkut – o texto continua circulando como sendo dele. Isso me faz lembrar de algo que observo praticamente desde a infância: quando uma falsa verdade se impõe, um simples desmentido é inútil para acabar com ela. Seria preciso uma verdadeira campanha. Só se a Globo veiculasse a versão correta no Fantástico ou no Jornal Nacional. E mesmo assim uma vez só não seria suficiente.

Não é preciso ser famoso para protagonizar mitos. Na própria família acontece. Lembro quando eu ouvia minha mãe falando sobre algo que teria acontecido comigo, porém de forma totalmente distorcida. Aí eu corrigia: "Mãe, não foi assim, foi assado!" E achava que estava esclarecido. Quando eu menos esperava, lá estava ela de novo contando a história do mesmo jeito, bem diferente da verdade. Apesar do respeito que eu tinha pelos meus pais, às vezes eu me descontrolava: "Eu já disse que não foi assim!" Faltava-me vivência e maturidade para compreender que as pessoas fazem da gente a imagem que bem querem. Vêem o que querem ver, ouvem o que querem ouvir e entendem o que querem entender. Depois que uma falsa verdade se propaga, fica difícil reverter a situação.

Aí consigo entender por que certos artistas não gostam que publiquem suas biografias. Só imagino as distorções e interpretações equivocadas que não devem aparecer. David Bowie sempre recusou todas as propostas para uma autobiografia ou biografia autorizada, mas abriu uma exceção e permitiu que o escritor David Buckley entrevistasse músicos que ainda faziam parte do sua banda para o livro "Strange Fascination". Deve ter percebido que seria melhor assim do que deixar os depoimentos à mercê dos famigerados "ex": ex-músico, ex-empresário, ex-esposa, ex-amigo. Dizem que o ex é a melhor fonte, mas depende do enfoque que se quer dar. Por exemplo, o livro "Alias David Bowie", de Peter e Leni Gillmann, buscou muito de suas informações com familiares de David. O músico ficou furioso pelo fato de os autores terem "localizado tias perdidas" para falar sobre ele.

Jânio Quadros passou os últimos anos de sua vida corrigindo jornalistas: ele nunca disse "forças ocultas" e sim "forças terríveis". Pelé até hoje jura não ter pronunciado a frase "o povo brasileiro não está preparado para votar", mas continua sendo cobrado por ela. O compositor João Ricardo, dos Secos e Molhados, já afirmou várias vezes que o grupo existia antes e continuou existindo depois de Ney Matogrosso, mas constantemente é questionado sobre o "fim" ou a possibilidade de uma "volta" do conjunto. Embora algumas de suas declarações sejam um tanto agressivas, não deve ser fácil ver o grande público ignorar a continuidade do seu trabalho.

E assim o público da Internet continua acreditando no Luis Fernando Verissimo romântico e messiânico. A comunidade do escritor no Orkut tem um alerta para os textos falsos, mas muitos nem o lêem, entram lá ansiosos por postar o "Quase" ou "Dar Não é Fazer Amor", como se Verissimo escrevesse coisas assim. A propósito, o frio voltou, a Zero Hora hoje noticiou o "calor fora de época" do fim-de-semana e os gaúchos daqui a pouco já esquecerão do veranico de inverno. No ano que vem, quando acontecer de novo, dirão que é atípico e nunca ocorreu antes.

Infelizmente, os mitos são mais fortes do que os fatos.