quarta-feira, agosto 24, 2005

Abolição das regras

Dizem que uma língua se constrói a partir do povo. Concordo que não se pode ignorar o surgimento de novas palavras e significados. Mas acho que para tudo há um limite. Lembro do projeto de um idealista de alterar a ortografia do português de forma que cada letra representasse univocamente um fonema. Por mais prática que fosse a idéia, parece-me delírio de alguém que sofreu com a ortografia no tempo do colégio e, entre um resmungo e outro, dizia: “Que saco, por que não se escreve tudo como se fala? Eu vou lançar um projeto para acabar com esse martírio!”

Ora, quem sabe não seria uma boa idéia? Eu, particularmente, nunca tive muita dificuldade com português, mas muitos têm. Então, para acabar de uma vez por todas com o conceito de “erro”, a solução seria liberar geral! Tanto a gramática quanto a ortografia passariam a espelhar as diversas formas com que o povo se expressa. Posso até imaginar a minuta dessa nova reforma lingüística:

- Fica extinta a obrigatoriedade da concordância do particípio. Pode-se dizer e escrever, por exemplo: “Foi trocado as molas do carro.” “Foi discutido as novas regras”

- Expressões como “pão-duro” e “puxa-saco” passam a flexionar opcionalmente em gênero, podendo dizer-se “pão-dura” e “puxa-saca”.

- Expressões terminadas em “que o pariu” não flexionarão em gênero, de forma que até mesmo uma mulher será encaminhada à pessoa que “o” pariu.

- O acento grave, até agora usado rigorosamente como sinal de crase, passa a ser aceito como mero ornamento da palavra "a" em suas mais diversas funções gramaticais.

- A grafia das palavras "cessão", "sessão", "seção" e até mesmo o popular "'cês são" passa a ser livre e intercambiável.

- A palavra "fritas" passa a ser aceita como substantivo singular. Exemplo: "Quero um chope e uma fritas pequena."

- A palavra “menos” passa a flexionar opcionalmente em gênero, podendo ou não dizer-se, por exemplo, “menas força” ou “menas paciência”.


- Passam a ser aceitas as formas “seje” e “esteje” nas conjugações dos verbos “ser” e “estar” respectivamente.

- Fica criado o verbo “indiguinar” como sinônimo de “indignar”, de forma que não seja mais errado dizer: “Eu me indiguino quando me corrigem!”

- A concordância em número passa a ser opcional, sendo facultado dizer, por exemplo “dois dólar”, “três pila” e “esses gaúcho metido a besta”.

- O verbo “haver”, no sentido de “existir”, pode ser usado no plural, não sendo mais incorreto dizer-se “houveram diversas mudanças na gramática”.

- “Bimensal” passa a ser aceita como sinônimo de “bimestral”, ou seja, uma vez a cada dois meses.

- A expressão “de encontro a” torna-se sinônima de “ao encontro de”.

- Os substantivos femininos terminados em “ão” passam a ter terminação opcional em “ã”. Exemplo: “questã”, “cançã”, etc.

- A pronúncia do “x” passa a ser livre, de forma que “tóxico” pode ser pronunciado “tóchico”, “coaxial” pode ser dito “coachial” e os pedantes ficam autorizados a pronunciar “máximo” como “mácsimo”.

- A palavra “paralisação” passa a ter a grafia opcional “paralização”.

- Oxítonas e monossílabos tônicos terminados em “i” e “u” passam a ter acento opcional. Exemplo: recebí, imprimí, etc. E aquele monossílabo que tem assento agora passa a ter também acento.

- A segunda pessoa do singular pode ser conjugada como a terceira: “tu foi”, “tu disse”, etc.

- A palavra “fizemos” passa a ser aceita como presente do indicativo, sinônima de “fazemos”. Exemplo: “Aqui na alfaiataria nós fizemos qualquer ajuste que o senhor quiser.”

- Passa a ser válido o uso da preposição “com” para expressar valores, inclusive em títulos de crédito. Exemplo: Cinqüenta reais com vinte centavos.

- As palavras “excesso” e “exceção” podem ser escritas com qualquer grafia alternativa que preserve os fonemas originais, portanto não serão aceitas as formas “eseso” e “exesão”, por exemplo.

- Está liberado o uso da vírgula em qualquer ponto da frase exceto no final. Também não serão aceitas duas vírgulas consecutivas sem uma palavra que as separe.

Digitei isto no Word e nunca o corretor ortográfico implicou tanto com um texto meu. O "menas" ele não queria deixar passar de jeito nenhum, corrigia na hora. Em todo o caso, está lançada a proposta. Aí, quem sabe, ficarão extintos os erros de português.

3 Comments:

Blogger Luciene said...

É sério isso tudo!?Estudei a nova ortografia,mas não ví esses absurdos,se for verídico realmente não existirão mais erros de português!

12:54 PM  
Blogger Emilio Pacheco said...

É só uma brincadeira. O texto deixa isso bem claro.

7:16 AM  
Anonymous Anônimo said...

Sou revisora de texto e adorei essa abolição das regras (risos), principalmente a obrigatoriedade do particípio hahaha.

Um abraço,

Mônica

7:41 AM  

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