quarta-feira, agosto 31, 2005

Se meus pais fossem vivos

Às vezes fico imaginando como meus pais se comportariam em meio a essas novidades todas que surgiram depois que eles se foram. Meu pai faleceu em 1984 e não chegou a conhecer nem videocassete, embora o aparelho já existisse. Minha mãe morreu em 1989 e tomou conhecimento da existência do CD, mas nunca viu um de perto. Também nunca chegou a mexer em computador, que no tempo dela ainda não tinha os atrativos de hoje. Internet, CD-R, DVD, ou mesmo TV por assinatura, nada disso eles chegaram a pegar.

Meu pai teria curtido muito o videocassete, mas, como a maioria dos usuários, não aprenderia a programá-lo. A despeito de sua notória inteligência, ele era atrapalhado com aparelhos. O rádio-relógio já o estressava, com seus ajustes de horário e modo de despertar. Mas com certeza ele pediria a mim que gravasse algum programa que o interessasse. Nas locadoras, tentaria encontrar seus filmes preferidos para rever e procuraria também documentários de História, principalmente sobre a Segunda Guerra. Não sei o que ele acharia das cópias de péssima qualidade que as locadoras ofereciam no começo. Legendas para ele não seriam problema, já que ele lia sem dificuldade. Lembro de um filme legendado a que assistimos na TV e ele comentou que as enxergava normalmente, como no cinema.

O surgimento do CD reacenderia o seu interesse por tangos e orquestras. Talvez ele comprasse a caixa “A Faxineira das Canções”, de Elizeth Cardoso, mas reclamaria por não poder levar só os CDs ao vivo com Jacob do Bandolim, que ele adorava. Na Internet ele pesquisaria sobre História e Direito, mas sua curtição maior, sem dúvida, seriam os chats. Em seus últimos meses de vida ele se divertiu conversando anonimamente no tele-amigos, mas sempre de forma sadia. Ele achava que, por ter sido autoridade, não podia se expor muito, mas a possibilidade de se comunicar sem se identificar o fazia sentir-se liberado. Imagino o que ele não iria aprontar no ICQ, MSN e salas de conversa. Faria muitas amizades virtuais, também, inclusive com pessoas de outros estados.

Se não me engano minha mãe não datilografava, então o teclado do computador talvez a afugentasse. Do contrário, vejo-a recebendo e repassando essas mensagens de auto-ajuda que circulam pela Internet. Ela seria forte candidata a acreditar nos textos falsamente atribuídos a Luis Fernando Verissimo ou Mario Quintana, até que alguém a avisasse. Mas os falsos alertas de vírus e golpes ela repassaria na maior inocência. Se perdesse o pudor de usar cartão de crédito, se divertiria fazendo compras nas lojas virtuais como tantas vezes fez por telefone ou pelo correio. Procuraria sites em alemão, também. Já na TV a cabo, ela só assistiria a canais em alemão na ausência do meu pai. Era sempre ele quem escolhia o que ver na televisão e isso não mudaria.

Já ia me esquecendo do telefone celular. Eles também não conheceram. Se tivesse surgido na minha adolescência, seria perfeito para eles saberem onde eu estava e por que ainda não tinha voltado. Mas também teria servido para eu ligar e dizer que iria chegar mais tarde, já que por tanto tempo tive hora para voltar para casa. Se eles tivessem apenas vivido para conhecer o celular na época em que apareceu, não chegaria a fazer tanta diferença. Só o meu pai é que estaria sujeito a receber ligações da minha mãe em qualquer lugar, mas isso não seria problema, já que sempre ele é que atenderia, mesmo.