sexta-feira, setembro 09, 2005

O sumiço dos CDs

Há algum tempo, um amigo meu que também é colecionador de David Bowie teve sua casa arrombada. Para desespero dele, os ladrões levaram justamente os preciosos CDs que ele havia comprado escolhendo a dedo, um de cada vez, com paciência e sacrifício. Ao contar a má notícia para os parentes, ele constatou algo que eu já havia percebido muito antes, felizmente sem precisar passar pelo mesmo infortúnio: as pessoas em geral não sabem o valor que têm os CDs. Ao menos esses de coleção. Para eles, CDs são aqueles disquinhos de cinco polegadas que estão amontoados nas caixas das Lojas Americanas a menos de dez reais cada um. E meu amigo teve que suportar comentários do tipo "ah, tudo bem, menos mal que não levaram os móveis!" Ele ficou indignado. "Ora, se tivessem levado os móveis eu comprava tudo de novo!"

Eu também penso assim. Se um dia meu apartamento for arrombado (bata na madeira – toc, toc, toc), prefiro que levem todos os aparelhos, que têm substituição, mas não minhas coleções, que jamais conseguirei repor. Mas esse é um raciocínio que o "povo" não alcança. No caso, a maior prova de que os CDs roubados de meu amigo eram raríssimos é que, quando eles reapareceram para venda nas lojas de usados, ele conseguiu identificá-los todos. Até para mim foram oferecidos. Talvez até houvesse como localizar os ladrões, mas ele foi bem claro ao entrar em contato com as lojas: a prioridade era reaver os CDs, mesmo que tivesse que pagar novamente por eles. Parece maluquice, mas quem é colecionador entende.

Pois bem: sumiu um CD meu. Aliás, uma caixinha com quatro. É uma coletânea chamada "Lennon". Não confundir com "Lennon Anthology", que também é uma caixa de quatro CDs e saiu depois. Essa é anterior, de 1990, não foi lançada no Brasil e está fora de catálogo. Eu próprio a consegui muito depois, numa loja de raridades, a um preço até razoável. Pois agora ela desapareceu. Não acredito que tenha sido roubada. Deve estar mal guardada em algum lugar totalmente improvável. Mas eu precisaria de uma tarde inteira para procurá-la. Nos lugares "normais" ela não está. Eu teria que fazer uma busca minuciosa, examinando os CDs um por um, depois mexer nos livros, nas revistas, nas tralhas em geral – com a bombinha de asmático bem à mão. E nisso eu não consigo pensar como minha mãe, que dizia: "perdido não está, qualquer hora se acha". Para mim, ter alguma coisa e não saber onde está é o mesmo que não ter. E quanto mais tempo se leva para tentar encontrar algo que evaporou, menor é a chance de que retorne ao estado sólido.

Às vezes eu me pergunto que fim levaram alguns compactos de Jovem Guarda que eu tinha na minha infância. Não me lembro de tê-los emprestado. Nunca mais apareceram, nem mesmo quando o apartamento em que meus pais moravam foi desocupado em 1989. Ali também se consagrou o sumiço de uma revista importada com uma entrevista de David Bowie. Hoje é fácil de encontrar a matéria na Internet, mas naquele tempo era uma preciosidade. Mas essa eu acho que sei por que sumiu: era uma Penthouse. Uma entrevista em inglês tem interesse bem específico, mas mulher pelada é algo que causa tentações desde o começo do mundo – vide Adão e Eva. E para quem surrupiou o citado exemplar, tanto faz Penthouse, Playboy, Status, Sexy, é tudo pornografia, mesmo. Por sorte, consegui salvar uma Oui americana com uma entrevista do ex-baterista dos Beatles Pete Best. Mas cheguei a encontrá-la no banheiro, uma vez.

Enfim, nós, que sabemos o real valor de CDs, DVDs e livros, temos que nos proteger não só das traças e dos ladrões mas também dos desavisados. Por isso eu não gosto de emprestar nada, como já citei no texto "
O Ouvinte Casual". A questão agora é saber onde está essa caixinha do John Lennon. Mesmo que eu quisesse, não acharia outra para comprar. E cópia seria prêmio de consolação, pois sou como filatelista: não coleciono xerox. Ora, esses CDs estão aqui dentro. Mas onde? Acho que vou acender uma vela para o Negrinho do Pastoreio.