sábado, outubro 22, 2005

O acervo Júlio Petersen

Em 1989, na Faculdade de Jornalismo, eu tinha que fazer uma entrevista a livre escolha, mas não sabia a quem procurar. Aí lembrei que um colega meu da Caixa havia comentado que o pai dele tinha uma das maiores bibliotecas particulares sobre o Rio Grande do Sul e a imprensa já tinha feito matéria sobre ele. Agendamos um encontro e, num sábado, apareci de gravador em punho na casa de um dos sujeitos mais interessantes que conheci: Júlio Petersen.

Antes mesmo de se dedicar a colecionar livros, Petersen já tinha um invejável currículo como goleiro, tendo atuado pelo Inter e Grêmio. Numa das viagens para os jogos, havia um piano no hotel em que os jogadores se hospedaram. Mas algumas notas estavam falhando. Foram ver o que havia e descobriram dentro do instrumento um pedaço do livro "Voluntários do Martírio", de Ângelo Dourado, sobre a revolução gaúcha de 1893. Faltava o começo e o fim. Mesmo assim, Petersen leu o trecho disponível, interessou-se pelo tema e tratou de conseguir não só a obra completa como qualquer outra publicação sobre o mesmo assunto. Possivelmente ninguém como ele estudou tão a fundo a "revolução da degola".

Outra de suas paixões era "Antônio Chimango", o chamado "poemeto campestre" escrito por Ramiro Barcelos com o pseudônimo de Amaro Juvenal para atacar Borges de Medeiros. Petersen conhecia todas as edições de "Chimango" com meticulosa precisão de detalhes e chegou a escrever um livro não publicado sobre suas pesquisas a respeito do panfleto. Sua biblioteca ocupava todo o piso superior de sua casa na Cidade Baixa. Ainda devo ter em algum lugar a fita da entrevista que ele me concedeu, em que se vangloriou de possuir "desde a poesia gauchesca pornográfica, que é uma obra-prima, até leis do Rio Grande do Sul". Disse também: "Detesto que me chamem de bibliófilo. Bibliófilo é avarento. Eu gosto de servir os outros". De fato, seu acervo era livremente disponibilizado para estudantes, mas ele cobrava um preço: uma cópia do trabalho realizado.

Hoje leio na Zero Hora que a PUC-RS comprou a biblioteca de Júlio Petersen, que faleceu em 2002. Como já fizera antes com a do crítico de cinema Paulo Fontoura Gastal. Nesta hora, fico orgulhoso de ser duas vezes "filho da PUC" e de morar numa cidade que valoriza a cultura. Embora minha modesta coleção de livros sobre música, quadrinhos, biografias e outros assuntos de meu interesse não chegue aos pés do acervo reunido por esses dois entusiastas, eu me identifico muito com eles. Principalmente quando recebo críticas por "gastar todo o meu dinheiro em livros, CDs e DVDs e não adquirir bens". Tudo isso que eu compro também é um patrimônio de valor inestimável, mas nem todos conseguem avaliar. Lembro que Petersen me falou que quis colocar sua biblioteca no seguro e não conseguiu. É o ônus de se morar num país que só valoriza o que termina em "óvel". Mas a PUC está de parabéns mais uma vez. E obrigado à família de Júlio Petersen por legar esse tesouro fantástico à comunidade.