segunda-feira, novembro 21, 2005

Atucanado

Não importa qual significado o dicionário atribua ao verbo “atucanar”. Na prática, sempre digo que estou “atucanado” quando fico nervoso por causa do horário. Ou porque tenho muito trabalho e pouco prazo e receio não conseguir terminar a tempo, ou porque vejo se aproximar assustadoramente a hora do ônibus partir, do avião decolar, da reunião começar e percebo que vou me atrasar.

Aliás, é bom dizer: raramente me atraso para embarcar em ônibus ou avião. Foi meu pai quem me transmitiu o hábito de chegar na rodoviária ou no aeroporto com bastante antecedência. É preferível esperar uma hora coçando na sala de embarque a ficar atucanado em um trânsito engarrafado, por exemplo. Mas quando se depende de outras pessoas, a situação muda. Nunca esqueço, em minha adolescência, quando passei uns dias na casa de meu tio no interior do Rio Grande do Sul. O ônibus para Porto Alegre iria sair à uma hora. Mas, ao contrário de meus pais, meus tios não se apressavam nem um pouco. Prepararam o almoço com toda a tranqüilidade do mundo e comeram normalmente. Comecei a ficar atucanado, dizendo que teríamos que sair logo ou eu perderia o ônibus, mas eles se mantinham impassíveis, com uma calma de dar nos nervos, afirmando que daria tempo. Resultado: no momento em que meu tio estacionou em frente à rodoviária, o ônibus deu a partida. Minha tia saiu correndo aos gritos de “espera!” e eu ainda tive que ouvir do motorista um “tá atrasado, hein?”, como se eu não tivesse alertado desde o início de que isso iria acontecer.

Cada vez que eu fico atucanado eu juro que foi a última vez. Que da próxima vez começarei mais cedo o trabalho ou sairei mais cedo de casa. Mas, quando eu menos espero, acontece de novo. No sábado à noite, eu teria que passar no Shopping para buscar minhas roupas na lavanderia. Mas não queria ir muito cedo, pois eu e meu filho aproveitaríamos para jantar e já tínhamos lanchado à tarde. Saímos pouco antes das nove. Fomos comer em um desses restaurantes da praça de alimentação que levam uma eternidade para preparar três pedaços de frango e uma porção pequena de polenta e batata frita. As dez horas se aproximavam de forma ameaçadora. Eu olhava nervosamente o relógio, mas meu filho, que não entende a situação, não tinha pressa. Quando ele finalmente chegou no último pedacinho de polenta, eu o puxei pela mão e fomos correndo até a lavanderia. Chegamos a tempo, mas a moça já estava se preparando para trancar a porta. E no domingo eles não estariam abertos.

O segredo é nunca deixar nada para a última hora. É o que eu sempre digo que vou fazer da próxima vez. Ficar atucanado, para mim, é uma das sensações mais angustiantes. Bom mesmo é ter tempo. Nem todos têm o hábito de fazer tudo com antecedência. Em feriadões, se vou viajar, nunca saio na sexta à noite nem no sábado pela manhã. Sábado à tarde está de bom tamanho. E costumo voltar na manhã do último dia do feriado. Mas os outros acham graça. “?” Já. Prefiro almoçar cedo, jantar cedo, sair cedo, voltar cedo, fazer tudo cedo. Qualquer coisa para não ficar atucanado. Mas às vezes me atrapalho. E aí, quando vejo, lá estou eu atucanado de novo. Paciência.