quarta-feira, novembro 09, 2005

A inflexibilidade do tempo

Aos 20 anos, quando estava para começar a trabalhar, precisei de um original de minha certidão de nascimento. Como não localizei a tempo, achei melhor solicitar a emissão de uma nova via. Compareci ao cartório, mas fui informado de que ela ficaria pronta num prazo longo demais para mim. Eu precisava dela para aquele dia mesmo. Paguei uma taxa extra, mas consegui retirá-la com a urgência necessária. Quando fui buscá-la, o funcionário comentou: "A tua sorte é que eu não fui almoçar hoje." Pensei: como assim? Se ele tivesse saído para o almoço não teria dado tempo de datilografar uma certidão de uma página? Quanto tempo ele precisaria para isso? O que teria custado para ele achar uma brecha em suas atividades para emitir a minha certidão?

Na verdade eu ainda não tinha experiência e vivência para entender algo simples e lógico: o tempo é inflexível. Podemos aproveitá-lo ao máximo organizando nossas tarefas, mas um dia terá sempre 24 horas, uma hora terá 60 minutos e cada minuto, 60 segundos. Não se foge disso. E o clichê "recuperar o tempo perdido" é, na prática, impossível. O tempo anda sempre para frente, não tem volta. Quinze minutos que se "roubem" de uma atividade só podem ser recobrados com sacrifício de outra. Ou do descanso, o que é injusto e contra-indicado.

Mas não só isso: tem também a questão da interrupção. O ser humano não é como um computador, que vai executando diferentes "jobs" de forma ininterrupta. Precisamos de um intervalo de preparação para passar de uma tarefa para outra. E também de um período de transição para alterarmos nosso foco de atenção e condicionamento mental. Quando alguém, de última hora, nos pede "só cinco minutos" que sejam de nosso tempo, está na verdade solicitando uma solução de continuidade em nossa rotina. Isso pode ser bem mais custoso do que parece. Tive um professor na faculdade que dizia: "Quem interrompe só um pouquinho pode falar meia-hora, pois já quebrou toda uma seqüência lógica de idéias."

Quando eu colecionava LPs (discos de vinil), conseguia empurrá-los um pouco mais para cá ou para lá para acomodar mais um disco na ordem alfabética. Se a divisão da estante ficasse muito apertada, era só trocar alguns de lugar. Havia uma certa flexibilidade. Já com CDs, não é possível fazer isso. Eles ocupam um espaço exato. Um CD a mais que eu precise colocar num local já ocupado acarretará um reposicionamento geral de toda a coleção.

Pois o tempo e as tarefas são como caixinhas de CDs: inflexíveis. Às vezes, para não ser indelicado, você aceita fazer um favor que lhe foi solicitado porque a pessoa que está pedindo imagina: o que custa? É rápido! Este "rápido" pode variar entre cinco minutos ou mais de uma hora, mas não importa. Para quem precisa, sempre fica a impressão de que você pode dispor de uma parte do seu tempo. Às vezes até pode, mesmo. Mas, na maioria dos casos, a inserção de uma atividade adicional desorganiza completamente o seu planejamento. É o CD a mais que derruba a coleção toda, num efeito dominó. Com boa vontade, a gente dá um jeitinho brasileiro. Mas não sem sacrifício de outros compromissos.

P.S. - Enquanto redigia este texto, lembrava de outro que coloquei aqui em fevereiro chamado "Encomendas de viagem". Pois o comentário postado pela Neca confirmou que tem a ver, mesmo.