quinta-feira, dezembro 22, 2005

A clandestinidade

Excelente o projeto da Prefeitura de criar um “camelódromo” no Terminal Rui Barbosa, entre a Voluntários da Pátria e a Mauá. Segundo a notícia publicada na Zero Hora, em matéria assinada por Aline Custódio, cada comerciante “ocupará um espaço de quatro metros quadrados contendo pontos de luz, água, esgoto e telefone”. A área terá ainda “praça de alimentação, sanitários, acesso para deficientes, sistema de segurança por câmeras de vídeo, policiamento e jardins descobertos”, além de “farmácia, restaurante popular e agência bancária”. O aluguel de cada espaço custará cerca de R$ 300 mensais.

Mas, se alguém acha que com isso os camelôs ilegais sairão do Centro, deveria pensar melhor. Certas coisas são o que são exatamente pela clandestinidade e as vantagens que ela proporciona. Desde que me conheço por gente ouço especulações sobre a legalização do jogo do bicho. Ora, como isso é possível? Credenciando bicheiros? Autorizando bancas particulares de apostas? A criação da Loto, da Sena e da Super Sena não ameaçou os jogos ilegais.

Quando os camelôs começaram a vender cópias em VCD de DVDs de música, as gravadoras brasileiras tiveram a brilhante idéia de lançar VCDs a preço mais baixo. Ressalte-se que o VCD é um formato que já existia antes do DVD, mas sua comercialização nunca pegou em larga escala. Alguns títulos saíram na Inglaterra e também como brindes de revistas e até na compra de computadores. Eu tenho um que veio com o Aptiva K30 que adquiri em 1995 e ele toca perfeitamente em meu DVD player. Com o surgimento do DVD e do CD gravável, o VCD teve um sopro de vida como mídia para cópias piratas de qualidade inferior. Mas no momento em que as gravadoras resolveram combater os piratas com suas próprias armas, os camelôs passaram a oferecer shows em DVD-R, com todos os recursos de um DVD normal. Sem contar que o preço de cerca de 20 reais por um VCD oficial está longe de ser vantajoso para quem se contenta com pirataria.

Agora imaginem se resolvessem legalizar o adultério. O marido diria para a esposa: “Hoje à noite vou chegar mais tarde porque vou visitar a minha amante.” “Mas como!”, ela responderia. “E acha que eu vou aceitar isso?” E ele, bem tranqüilo: “Claro que vai! Se não é mais ilegal, não é errado.” Ou então a poligamia. “Querida, hoje pedi minha secretária em casamento. Mas não se preocupe, eu e ela seremos um casal moderno, moraremos em casas separadas. Minha única esposa à moda antiga é você”.

Em suma, é difícil legalizar o ilegal. Sempre vai existir o oficial e o paralelo, o original e o similar, selado e alternativo, com nota e sem nota. Não estou defendendo a clandestinidade, apenas constato que é impossível acabar com ela numa penada. O que se pode e deve fazer é, de um lado, fiscalizar e coibir as práticas ilegais e, de outro, procurar formas de oferecer um produto mais atraente e competitivo dentro da legalidade. Quanto à poligamia, bom, aí é uma questão de princípios. Temos que amar nossas esposas sobre todas as mulheres, mesmo sabendo que há espécimes bem interessantes no prostíbulo de luxo da cidade.