quarta-feira, dezembro 14, 2005

Faz 30 anos

Na data de hoje, há 30 anos, eu tinha 15 anos recém feitos e amargava uma pequena frustração: não tinha conseguido ingresso para o grande jogo entre Internacional e Cruzeiro de Belo Horizonte, a final do Brasileirão no Beira-Rio. Pelo menos não onde eu queria, que era nas cadeiras. A julgar pela reclamação de alguns torcedores que apareceram na TV, o Internacional fez uma venda “direcionada” das cadeiras, liberando-as somente por indicação. Mas fiquei tranqüilo quando obtive uma informação extra-oficial de que a partida seria mostrada ao vivo pela televisão. À noite, no Fantástico, Cid Moreira disse que o jogo havia sido transmitido para todo o Brasil “menos para Porto Alegre”, mas não era verdade. Passou aqui também.

E como poderia ser diferente? O Beira-Rio lotou já pela manhã! No começo da tarde, não havia viv’alma naquele trecho da Borges de Medeiros que é caminho para o estádio, em direção à Padre Cacique. A cidade parou. Eu e uns amigos fomos visitar uma amiga nossa que morava na Cidade Baixa. Quando ainda estávamos na Duque de Caxias, vimos um ônibus em frente ao Hotel Everest. Depois o veículo partiu e um garoto veio caminhando próximo de nós segurando uma flâmula do Cruzeiro. “Aquele era o ônibus do Cruzeiro”, observou um de meus amigos.

A torcida confiava na vitória, mas era preciso ter cautela. Não se poderia subestimar um time que tinha Palhinha, Nelinho, Piazza e o goleiro Raul. Os mais velhos lembravam a Copa de 50 e recomendavam não comemorar antecipadamente. O cronista Sérgio da Costa Franco, na quarta página do Correio do Povo, intitulou sua coluna “Não me peçam o impossível”, dizendo que jamais conseguiria torcer para o Internacional. Mendes Ribeiro, na televisão, falou nos riscos do excesso de confiança, mas encerrou dizendo que ainda preferia que o clima fosse, sim, de otimismo. O fato é que, por melhor que tivesse sido a campanha do Inter no Campeonato, ainda pairava no ar uma sensação de que aquilo tudo era bom demais para ser verdade. E, no entanto, seria uma injustiça se não tivesse um final feliz.

Eu e meus amigos voltamos cedo da casa de nossa amiga e nos reunimos para ver o jogo na minha casa. Não lembro detalhes da partida, só o gol histórico no segundo tempo. Piazza aproximou-se de Valdomiro e o ponteiro se atirou no chão. O juiz Dulcídio Vanderlei Boschilia marcou falta. Depois João Saldanha escreveria que foi uma falta “sutil, quase imperceptível”. Que nada: o próprio Valdomiro hoje admite que se jogou. O chargista Marco Aurélio lançaria um livro de fotofofocas onde o jogador aparecia cumprimentando o juiz e dizendo “Seu Boschilia, obrigado pela falta!” Ele mesmo cobrou, cruzando para o zagueiro chileno Figueroa, que cabeceou para a rede. Estava selado o destino.

Quando o jogo terminou, eu e meus amigos saímos correndo pela rua, procurando um carnaval, uma festa, alguma coisa semelhante que imaginávamos estar acontecendo ali por perto. Mas eu morava no centro e não encontramos nada, só o cansaço que nos fez parar depois de alguns metros. À noite, o presidente do Cruzeiro apareceu na televisão furioso com a arbitragem. Já o goleiro Raul foi de uma elegância admirável, disse que o Inter merecia vencer por ter jogadores da qualidade de Falcão e outros que citou. No dia seguinte, no Jornal do Almoço, o gremista Paulo Sant’ana cantou o Hino do Internacional em homenagem ao arqui-rival. O colorado Sérgio Jockymann não disse uma palavra, só deixou a cortina tocando enquanto sorria e gesticulava.

O Inter voltaria a ser Campeão Brasileiro no ano seguinte, mas a vibração da primeira vez foi incomparável. Já em 1979 o título foi conquistado novamente, desta vez sem uma única derrota. Ainda assim, a lembrança que eu tenho é a de que o desempenho de 1975/76 foi superior, mesmo não tendo sido invicto. Hoje, com a tendência dos bons jogadores de saírem do Brasil, é praticamente impossível que o Inter volte a ter craques do nível de Falcão e Figueroa. Acho que vou começar a torcer para algum time europeu.