sábado, dezembro 17, 2005

Que feio, Sant'ana

Já disse aqui no blog que aprecio o estilo do Paulo Sant'ana na Zero Hora, embora nem sempre concorde com ele. Pois na coluna de hoje (sábado), acho que ele pisou na bola. Já faz tempo que ele vem falando nos chatos, um tema sem dúvida rico e fascinante de se explorar. Guilherme de Figueiredo escreveu um livro inteiro sobre o assunto, denominado "Tratado Geral dos Chatos". Mas até agora a abordagem do Sant'ana vinha sendo genérica e bem humorada. Hoje ele extrapolou.

No caso, o que aconteceu é que um repórter de uma revista de Dois Irmãos apareceu sem hora marcada para entrevistá-lo. Simplesmente telefonou para o jornal e comunicou que, numa pesquisa entre colégios da cidadezinha, Sant'ana havia sido escolhido como a personalidade que gostariam de ver entrevistada. E que já estava na estrada rumo a Porto Alegre e deveria chegar em vinte minutos. Conforme anunciado, vinte minutos depois lá estava o visitante entrevistando-o bem na hora em que Sant'ana precisava terminar sua coluna. O cronista ficou tão indignado que transcreveu a resposta que deu à primeira pergunta. Quem morreu que deveria ainda estar vivo? "Maurício Sirotsky. Mas quem ainda está vivo e deveria já estar morto para não andar incomodando quem trabalha: a pessoa que me entrevista neste momento".

Eu sei que não deve ser fácil ser famoso e aturar admiradores chatos. Mario Quintana vivia sendo procurado por jovens poetas que queriam uma opinião do mestre sobre seus trabalhos. Um dia, publicou uma lista genérica de conselhos, como quem diz: me deixem em paz. Certa vez eu andava pela Getúlio quando ouvi dois homens em frente a uma loja de ferragens falarem na apresentadora de televisão Vera Armando. Depois enxerguei por que: a própria vinha caminhando pela calçada. Quando ela passou em frente a eles, um deles, sem o menor constrangimento, interpelou-a: "Estava observando... não é a Vera Armando?" E ela, bem seca: "Não". E seguiu em frente.

Nesses casos, até achei que as atitudes tomadas foram corretas. Pessoas famosas são seres humanos como nós, com sua paciência finita e direito a oscilações de temperamento. Só penso que, quem aceitou ou até lutou por uma atividade que lhe traria fama e admiradores, tem que estar preparado para isso. Sim, existem os chatos. Mas não se deve usar o mesmo veículo que conquistou fãs para reclamar dos inconvenientes. Os ídolos não precisam ficar disponíveis 24 horas por dia para autógrafos, fotos, entrevistas ou longas conversas com desconhecidos. Mas têm obrigação, sim, de se manterem simpáticos. Faz parte do ofício.

Quando eu tinha as manhãs livres, dava minhas caminhadas pela Avenida Beira-Rio. De vez em quando encontrava por lá o profissional de televisão Roberto Appel. Ele sempre me cumprimentava. Não me conhecia, mas percebia que era reconhecido e retribuía com discrição. Assim também, há pouco tempo vi em um supermercado Carlos Araújo, que concorreu a Prefeito de Porto Alegre na eleição de 1988. Ele notou pelo meu olhar que eu lembrara dele e também me acenou com a cabeça, como bom político.


Em suma, nenhuma pessoa famosa, nenhum comunicador de destaque, tem o direito de reclamar publicamente do assédio constante de seus fãs. Esse tipo de queixa tem que ser feito na intimidade, na família ou entre colegas, jamais no próprio veículo que lhe trouxe notoriedade. A comunidade de Dois Irmãos manifestou sua admiração por Paulo Sant'ana e teve como retribuição uma agressão fulminante a um de seus moradores. Que feio, Sant'ana. Seus fãs merecem mais respeito. Se você gosta da fama, tem que aprender a conviver com os reveses que ela acarreta.