quarta-feira, abril 19, 2006

O que já perdemos

O destino da Varig deve se definir logo. Enquanto o Brasil torce para que a empresa sobreviva, fico pensando em quantas outras instituições de maior ou menor porte gostaríamos que não tivessem acabado. Só em Porto Alegre houve várias. Seria ótimo ainda encontrar na Rua da Praia, na esquina com a Marechal Floriano, a Masson em seus melhores tempos. O prédio todo como joalheria e relojoaria, incluindo também filmes e material fotográfico. Tenho uma vaga lembrança de a Masson ter sido uma das primeiras lojas de Porto Alegre a vender filmes em videocassete, no começo dos anos 80. Tudo importado, é claro. Sumiram das vitrines assim que a pirataria tomou conta.

E a Casa dos Gravadores? Era o "point" dos audiófilos porto-alegrenses. Lá se encontrava do bom e do melhor. Foi na Casa dos Gravadores que comprei o equipamento de som que uso até hoje, incluindo um aparelho de videodisco, adquirido no final de 1990, e o televisor que acrescentei mais tarde. O DVD player veio depois, quando a loja já não existia. A lacuna parecia que iria ser suprida pela Circuito City, uma loja diferenciada no Shopping Praia de Belas, com aparelhos de primeiríssima linha. Mas logo deu lugar a uma revendedora de telefone celular.

Na André da Rocha havia uma loja de discos raros que era fantástica. Os músicos que vinham a Porto Alegre e se hospedavam no Porto Alegre Residence Hotel, logo ao lado, a visitavam e ficavam fascinados. Até o primeiro LP de Roberto Carlos, "Louco por Você", eles tinham. Ali consegui um disco de festival com a música "Flash", de Hermes Aquino. Dizem que o antigo dono, o Beto, continua atuando em Santa Catarina. Desertor! Na Galeria Florêncio Ygartua, o ex-radialista Ricardo Campos tinha a "Rica Discos" onde havia colocado praticamente toda a sua discoteca à venda. Era como entrar numa loja de vinil dos anos 70 e sair comprando. Os LPs e compactos estavam em ótimo estado. Acabou, também. Na mesma galeria, deixa saudade ainda uma franquia da Record Runner, com especial destaque aos títulos de música italiana, que eram da preferência do proprietário Marco Ávila.

A Rádio Continental marcou época nos anos 70, na freqüência 1120 AM. Mas ela poderia ter feito a transição para FM sem solução de continuidade em seu trabalho. A atual Continental FM iniciou em 1992 e tem apenas direito ao nome, não sendo, a rigor, a mesma rádio. Mas se "aquela" Continental não tivesse acabado, poderíamos sonhar também que o programa de Mr. Lee ainda existiria. A Lee nunca teria saído do Brasil nem tirado o patrocínio de Júlio Fürst, que estaria completando 31 anos de "Mr. Lee em Concerto" sempre divulgando novos músicos gaúchos todas as noites das 10 às 11. Por que não? O Jornal do Almoço estreou em 1972 e está aí até hoje. Júlio poderia ter-se tornado o nosso John Peel, descobrindo talentos e rodando gravações inéditas em seu espaço. Para quem prefere um estilo mais popular, a antiga Rádio Itaí teria mantido o seu formato tradicional, com programas como "Peça e Ofereça" e "Itaí Dona da Noite".

Ah, que saudade da livraria Sulina, com suas fartas opções de livros nacionais e importados. A Mercado Aberto, ao lado do Cultural, também foi ótima enquanto durou. A Coletânea saiu da Rua da Praia em 1976 e se deslocou para os altos do Mercado Público. Depois mudou-se para a Galeria Sete de Setembro. O espaço veio a ser substituído pela Planeta Proibido, especializada em quadrinhos. A Planeta foi para a Riachuelo, depois para a Jerônimo Coelho e por fim fechou. Os aficcionados de histórias-em-quadrinhos de Porto Alegre hoje sentem falta de uma loja do tipo "Comics Store".

Não esqueçamos das guloseimas. Num mundo ideal, o Rib's ainda estaria na Rua da Praia e na 24 de outubro, com seu inigualável milk-shake. Hoje existe o Best Food com o mesmo cardápio, mas fora de mão para os antigos freqüentadores. O Iogurte Caseiro Gaúcho tinha um fantástico sorvete de iogurte que em nada lembrava o "frozen yougurt" de torneirinha. Fora o iogurte para beber e o sanduíche natural com tahine, uma delícia. Da última vez que eu soube, eles haviam se mudado de vez para a Estrada do Mar. Uma pena. Bom mesmo era quando, como dizia o jingle, eles estavam "na Perimetral do Parcão, na Marquês do Pombal e, durante todo o verão, em Capão da Canoa". É bom nem pensar muito na praia ou surgirão outras saudades, como o Boliche de Capão, por exemplo.

Nada dura para sempre. E não depende de nossa vontade. Mas a incerteza do destino da Varig faz pensar em tudo o que já desapareceu em tão pouco tempo. Não estou nem entrando na questão humana que envolve os empregados. O mundo dá voltas. Temos que agradecer pelas novidades, mas também estar preparados para as perdas.