quinta-feira, junho 22, 2006

Contradição

A noção de que os jogadores de futebol jogam por dinh..., digo, por profissionalismo é algo que tive uma certa dificuldade de aceitar na infância. Tudo bem, eu entendia que era uma profissão. Mas guardava uma certa esperança de que houvesse um pouco de amor ao time também. Que cada atleta tivesse pelo menos começado no clube do seu coração. Claro que há jogadores que criam, sim, um vínculo com a equipe em que se destacaram. Eu quero acreditar que Valdomiro, Bráulio, Falcão, Figueroa, Claudiomiro, Jorge Andrade e tantos outros do "meu" tempo são colorados até hoje. Mesmo que tenham vestido outras camisetas em suas carreiras.

Mas nada embaralhou mais minha cabeça do que saber que, na Copa de 70, o técnico da seleção peruana era o brasileiro Didi. Aquilo realmente me deixou confuso. Para mim, torcer para o Brasil, desejar a vitória da nossa Seleção, era tão automático quanto ser brasileiro. Cada um pode ter sua paixão clubística ou seu contrato profissional, mas Copa do Mundo é guerra mundial. Não tem conversa, cada um tem que torcer pelo seu país. Por isso, a idéia de um brasileiro sendo treinador de um inimigo era como um dos nossos comandando um pelotão estrangeiro numa batalha contra o Brasil. E, num primeiro momento, eu não soube enxergar o que aquilo significava para Didi em termos de reconhecimento. Pelo contrário, tive pena do pobre ex-jogador que, em nome da sobrevivência, teve que se humilhar a aceitar emprego numa seleção estrangeira. Como deve ter sofrido, pensei eu.

Pois hoje é a vez de Zico comandar o Japão contra o Brasil. Como Didi, Zico é um ícone do futebol brasileiro. Foi um dos maiores jogadores da era pós-Pelé juntamente com Falcão. E vai estar lá, ajudando a equipe japonesa a combater a seleção que ele próprio tantas vezes defendeu. Como explicar isso às crianças?

- Pai, o Zico não é brasileiro?
- É, meu filho.
- Não foi jogador da Seleção Brasileira?
- Foi, sim, várias vezes.
- Então por que é técnico do Japão?
- Porque foi contratado.
- Mas por que não foi contratado pelo Brasil?
- Porque preferiram o Parreira.
- Ah, então o Zico ficou com raiva e resolveu ir pro Japão?
- Não, claro que não. Ele foi porque pagaram bem.
- Mas como ele pode ser técnico do Japão torcendo pelo Brasil?
- Muitos brasileiros já foram técnicos de outras seleções, isso é normal.
- Jogador também pode ser contratado por outra seleção?
- Não, jogador tem que ser do país.
- Então o Zico vai treinar o Japão para ganhar mas vai torcer pelo Brasil... Não entendi!

Acho que, no fundo, todos nós estamos nos sentindo um pouco traídos hoje. Mas tudo bem. Zico sempre foi um profissional correto e merece todo o prestígio que o futebol mundial pode lhe dar. Mas que fica meio estranho torcer contra o Zico numa Copa, fica.