quinta-feira, setembro 21, 2006

Conflitos sutis

Já disse muitas vezes e provavelmente repetirei outras tantas que meu gosto para cinema é bem popular e hollywoodiano. Eu nunca me imaginei como crítico de cinema. No entanto, percebo que minha leitura de alguns filmes começa a mudar. Já consigo enxergar além do enredo e captar algumas nuances. Aos poucos, estou criando gosto por personagens bem construídos e sua interação em cena.

Ontem, no feriado estadual de 20 de setembro (Revolução Farroupilha), eu e minha namorada aproveitamos para ver "28 Dias", com Sandra Bullock. Eu encontrei o DVD desse filme em oferta, mas só o comprei depois de muito analisar o comentário do site AllMovie. A indicação de que "The Lost Weekend" e "Days of Wines and Roses" abordavam melhor o tema – no caso, alcoolismo – fez com que eu procurasse esses filmes primeiro. Agora sei por que o período em que John Lennon esteve separado de Yoko em 1974 é conhecido como "The Lost Weekend" (o fim-de-semana perdido). É uma referência ao filme, em que o personagem principal perde um passeio de fim-de-semana que tinha planejado para encher a cara. Descobri os dois filmes em DVD a preços ainda menores do que "28 Dias", mas antes tive que procurar os títulos em português. "The Lost Weekend" ficou "Farrapo Humano" e "Days of Wines and Roses" (literalmente "Dias de Vinhos e Rosas") chamou-se "Vício Maldito". Quanta obviedade!

Mas voltando a "28 Dias", pode não ser considerado tão bom quanto os outros dois clássicos em preto-e-branco, mas é uma trama mais ao gosto do público atual. E o personagem que me chamou a atenção foi Jasper (Dominic West), namorado de Glen (Sandra Bullock). Jasper não parece ser um mau sujeito. Divertido e bem-intencionado, ele chega a pedir Gwen em casamento com anel e tudo, à moda americana. O problema é que ele não enxerga ou não se importa com o alcoolismo da namorada. Ele também bebe, embora não chegue a protagonizar vexames, como ela. Então o fato de ela estar em uma clínica de recuperação não o impede de levar um champagne para comemorar o noivado. Para azar dele, Gwen já se conscientizou de seu quadro e quer levar a sério o tratamento. O resultado é que ela joga a garrafa fora na frente dele e acaba não aceitando o pedido.

Em certo momento do filme, Jasper reaparece como um bobão que está prestes a perder a moça para outro por sua falta de noção. Mesmo assim, mais ao final, ele insiste, faz juras de amor, mas continua fora da realidade, sem levar em consideração a condição de alcoólatra em recuperação de Gwen. Ele é um personagem rico porque não se esquadra num estereótipo de bom ou mau, é apenas desligado e irresponsável. Ama a namorada, quer assumi-la, mas não serve para ela. E não percebe isso. Acha que basta trocar o convite para tomar uma cerveja por uma água tônica e estará tudo resolvido.

Cada vez mais estou gostando de filmes assim, que mostram conflitos sutis entre personagens. Admiro os roteiristas e os atores, que juntos compõem esses perfis fictícios, mas complexos.