segunda-feira, novembro 13, 2006

A faxineira

Quando me mudei para este apartamento, em setembro de 1998, foi uma experiência inédita para mim. Eu nunca tinha morado sozinho. Vinha de um relacionamento fracassado, então não era uma mudança para melhor, necessariamente. Levei vários anos para me acostumar com a solidão. Hoje até curto minha liberdade. Mas um aspecto que dificilmente vai mudar é minha desorganização. Sempre vou precisar, no mínimo, de uma faxineira.

Custo a acreditar quando lembro a bagunça de meus primeiros anos aqui. Demorei a combinar com a faxineira que viesse uma vez por semana. Acho que só comecei mesmo em 2001. Antes, ela vinha esporadicamente, quando eu marcava. A primeira vez em que entrou aqui ela disse: "Nossa!" Não vou descrever o que ela viu, mas digamos que eu sempre esperava para abrir a porta quando não houvesse vizinhos por perto. Se fosse à noite, só acendia a luz depois de entrar.

E assim, passei a ter o apartamento organizado uma vez por semana. No domingo, eu e meu filho virávamos tudo do avesso. Na segunda, a faxineira vinha e arrumava tudo. Mesmo assim, as poucas namoradas que tive nesse meio tempo (uma de cada vez, bem entendido) reclamavam da limpeza. Diziam que eu era tolerante, que havia poeira nos cantos e teias de aranha na parede. De fato, o que importava para mim é que a sujeira do chão fosse limpa, a cama arrumada, enfim, que os rastros do furacão fossem desfeitos. Nunca fui detalhista para poeirinhas ocultas. Eu sabia que ela poderia trabalhar melhor, mas entendia o quanto ela precisava do dinheiro e também confiava nela. Desde o começo, quando fosse necessário, ela aceitava cheques pré-datados sem problemas. Por tudo isso, eu não tinha coragem de mandá-la embora.

Continuo morando sozinho, mas minha namorada às vezes dorme aqui. E, quando pode, traz o cachorro, o "Mailow" (é assim que ela escreve o nome do Pinscher que foi batizado em homenagem ao cachorro do Máskara, o "Milo" – mas a pronúncia é a mesma). Certa vez o Mailow ficou aqui num dia em que a faxineira viria. Deixei um bilhete explicando e não houve problemas. Depois liguei e ela disse que o cachorro estava tranqüilo e que até o levaria a passear. Ótimo, pensei. Que bom contar com uma pessoa assim, de confiança.

Hoje, mais uma vez, o Mailow ficou aqui. Na nossa saída ele chorou muito, foi de partir o coração. Pensei comigo mesmo: menos mal que a faxineira vem à tarde e poderá atendê-lo. Como já havia feito da outra vez, minha namorada ligou para saber como ele estava e pediu que a faxineira saísse com ele. Ela respondeu que estava muito ocupada e não podia. Quando chegamos, ele estava solto no apartamento e não retido na cozinha, como o havíamos deixado. Mas a surpresa maior veio a seguir.

Em cima da mesa, a faxineira tinha deixado um bilhete. Não vou transcrevê-lo na íntegra, mas vejam alguns trechos:

"Como nós conversamos, têm coisas que nós não combinamos, entre elas não estão receber ordens de suas namoradas, cuidar de cachorro nem limpar os seus xixis e muito menos levar para c**** na rua. Já chega montanhas de lixos para tirar, um fogão todo queimado e uma pia cheia e sendo paga com cheques pré-datados. Se podem achar que podem dar ordens, também podem assumir as despesas disso e pagar."

Vivendo e aprendendo: eu não sabia que a faxineira recebia só para vir na minha casa e fazer o que bem entendesse! Como fui injusto com ela esse tempo todo, dando ordens e mandando limpar a sujeira do meu apartamento! Quando lembro quantas vezes ela esteve aqui e encontrou "montanhas de lixos para tirar, um fogão todo queimado e uma pia cheia", bate um enorme sentimento de culpa! Eu pensei que era para isso que eu a pagava! Como fui cruel com a pobrezinha, desde 1998!

Minha namorada começou a querer me pedir desculpas e eu disse que nem se preocupasse. Isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Alguém haveria de freqüentar o meu apartamento e cobrar um maior rigor na faxina. Em suma, apareceu uma pessoa para mandar a faxineira trabalhar e ela achou ruim. Eu era o patrão ideal, que fazia vistas grossas. Só que agora aquele problema de "não ter coragem de dispensá-la" foi resolvido da melhor forma possível. E eu aprendi uma lição: da próxima vez em que contratar uma faxineira, não serei tão abusado a ponto de querer que ela limpe a minha casa!