segunda-feira, dezembro 03, 2007

Mais lembranças da Continental

Um trecho do livro "Continental – a Rádio Rebelde de Roberto Marinho", de Lucio Haeser, mais uma vez me fez lembrar de meu irmão João Carlos Pacheco, o Cau (acima em fevereiro de 1989 como âncora da TV Goyá, em Goiânia). Ele foi locutor da Continental desde o começo da fase clássica em 1971 até o segundo semestre de 1974, quando se mudou para o Rio de Janeiro. Mesmo assim, de vez em quando vinha a Porto Alegre a serviço pela IBM e aproveitava para dar uma canja no microfone da sua emissora do coração. Inclusive, acho que ele foi o único locutor a trabalhar tanto na Continental de Porto Alegre quando na Mundial do Rio de Janeiro, que servira de modelo para a co-irmã gaúcha. Depois ele voltou a morar em Porto Alegre por algum tempo entre 1978 e 1979 e as portas da Continental sempre estiveram abertas para ele.

Em uma das primeiras vezes que fui com ele à rádio, em 1973, chamou-me a atenção que, nas folhas que estavam à frente dele no estúdio, aparecia escrito a lápis o nome "Emílio". Era natural que eu quisesse saber quem era o meu xará. Ele respondeu: "Emílio é esse black power que entrou aqui há pouco". Era o redator Emílio Chagas.

Alguns anos depois, talvez em 1976, numa das vindas rápidas dele a Porto Alegre, fui com ele mais uma vez à Continental. Ficamos um tempo na sala de redação enquanto o redator - outro rapaz que meu irmão ainda não conhecia - preparava a próxima edição do "1120 é Notícia". Eu não estava familiarizado com o conceito de rádio-escuta e tive uma pequena decepção ao ver que as notícias estavam sendo tiradas (ou "chupadas", como se diz no jargão jornalístico) do "Correspondente Renner" da Rádio Guaíba, que tinha sido gravado de um rádio Philco Transglobe igual ao do meu pai. Como explicou André Jockymann na comunidade da Continental no Orkut, "tirávamos o noticiário da escuta de rádios como Guaíba e Gaúcha e dávamos uma cara jovem e divertida". Ou seja: o que importava não era a informação em si, mas a forma com que era transmitida.

Enquanto conversávamos, meu irmão começou a tecer altos elogios a meu xará Emílio Chagas, que já não trabalhava na rádio. Enfatizou o quanto gostava de ler os textos dele, que tinham o tom certo para uma locução irônica. Lá pelas tantas eu comecei até a ficar um tanto constrangido pelo jornalista que estava ali trabalhando, pois o Cau só faltou dizer: "Redator bom era ele!" Depois voltamos para o estúdio e continuamos o assunto. Lembro bem que meu irmão definiu Emílio Chagas em última análise como "um redator de mão cheia".

Pois o mesmo Emílio Chagas contribuiu com o seguinte depoimento que aparece na página 100 do livro de Lucio Haeser:

Os locutores todos muito bons. E tinha uma interação muito grande com a equipe da redação. A gente sentava junto pra eles lerem antes. Conversava sobre a notícia. Qual era o tom. Porque no noticiário a gente passava muita coisa nas entrelinhas. Muita coisa de uma caída da fala do locutor já dava o tom que a gente queria passar da notícia. Que era uma denúncia, era uma ironia, um deboche, uma crítica.

No último noticiário que ia ao ar já não tinha mais compromisso com a informação. Fazia uma espécie de crônica. E tinha um locutor ali que era o João Carlos Pacheco, a gente tinha uma cumplicidade muito grande. E ali era onde se passavam as coisas que eu fazia de uma forma mais perigosa. Mas com muito humor, ironia e leveza.


Xará, se você estiver lendo estas linhas, agora já sabe que a admiração era correspondida. Mas acho que você já sabia.