sexta-feira, junho 13, 2008

De novo a crase

Faz tempo que não comento os erros de português que encontro na Zero Hora. Não que o jornal tenha deixado de errar. Quando fizeram a retrospectiva do Caso Daudt, escreveram um "pedes" onde o certo seria "pede" (imperativo) que está me doendo até agora. Tampouco eu deixei de ser implicante. Apenas estou tentando maneirar por uma série de motivos. Em primeiro lugar, não se enganem: eu sei que uma pessoa que fica observando deslizes de ortografia e gramática se torna antipática e irritante. É coisa de velho chato. Mas o que posso fazer se é mais forte do que eu? Ou talvez eu seja mesmo um velho chato. Em segundo lugar, eu também erro aqui no blog. Geralmente é minha irmã que nota e vem me avisar correndo, antes que um estranho o faça. Por fim, ninguém é perfeito. Alguns se incomodam com erros de português, outros com desorganização, roupas mal escolhidas, barriga, ronco, enfim, cada um escolhe sua mania de perfeição.

Mas desta vez não vou silenciar, pois diz respeito a um assunto que já abordei aqui e que é uma de minhas "brigas" mais antigas: a crase. Vejam o título acima, na capa do caderno Kzuka. Com certeza aquela crase foi colocada por algum "decorador de regrinhas". É aquele sujeito que sabe na ponta da língua todos os "pecados da crase", mas não a entende realmente. Um desses famigerados macetes diz que não há crase antes de palavras masculinas. Como ensina o professor Cláudio Moreno:

A crase ocorre quando dois "AS" se encontram, e pronto. Em 90% das vezes, trata-se do encontro [prep. A + artigo A]. Ora, como este precioso artiguinho feminino só pode aparecer antes de substantivos femininos, é uma conseqüência lógica (não uma proibição!) que isso não ocorra antes de substantivos masculinos.

Certo. Mas, se em 90% dos casos a case não ocorrerá antes de palavra masculina, não se deve inferir que sempre haverá crase em um "a" antes de palavra feminina. No caso acima, não há crase porque inexiste o artigo "a" antes de "musa". Os mais apressados contestarão: "Como, não? Não se diz a musa?" Sim - mas não na frase acima. Também se diz "o patinho feio" e, no entanto, o artigo não está sendo usado nesse caso. Se disséssemos "do patinho feio à musa", até ocorreria a crase, mas a frase teria um sentido totalmente diverso que não se enquadraria no título da matéria.

A crase não é o resultado de um algoritmo ("SE preposição a E palavra feminina OU caso especial..."). Ela tem lógica. Em minha infância, eu lia os gibis da Ebal e entendia a crase sem mesmo saber que ela tinha esse nome. Há quem a defina simplesmente como "o feminino de ao". Não é apenas isso, mas quem conseguir entender essa explicação já terá captado a essência. Enquanto as pessoas insistirem nessa teimosia burra de memorizar macetes sem realmente compreender o que é a crase, continuarão cometendo erros primários como o do jornal de hoje.

Leia também: "A crase"