sexta-feira, agosto 15, 2008

Ingenuidade punida

Faz tempo que não acompanho futebol, mas certas notícias não há como ignorar. No dia 27 de julho, Marcílio Dias e Toledo empataram em jogo pela série C, um resultado que interessava aos dois times. Na hora da entrevista, o jogador Rafinha, num momento de incontrolável honestidade, admitiu que o empate havia sido previamente combinado entre as equipes. Pagou caro: foi proibido de jogar futebol pelo resto da vida. Só ele. O único que falou a verdade.

Muitas coisas surpreendem nesse episódio, mas nenhuma tanto quanto a ingenuidade do jogador. Como pôde ele achar que não haveria problema em divulgar algo tão constrangedor? Talvez nem ele percebesse o acerto como algo ilícito. Se era bom para os dois times, por que não? Sei que é utopia, mas esse é o tipo da situação em que deveria ser facultado às equipes nem jogar a partida. Seria como duas partes de um processo que preferem entrar em acordo a submeter o litígio à arbitragem. Claro que, com isso, deixa de acontecer o espetáculo do futebol. Mas, sinceramente, quem pode esperar uma partida limpa nesse contexto?

Os gaúchos da minha idade devem ter uma vaga lembrança do que aconteceu, se não me falha a memória, em 1977: o Campeonato Gaúcho teve uma fórmula tão estapafúrdia que o Grêmio, em determinada partida, precisaria perder para se classificar. E adivinhem o que aconteceu? Perdeu, é claro. Alguém esperava diferente? Mais incrível é pensar que a própria torcida incentivou o adversário. Mas quem foi ao Olímpico fez exatamente isso.

Este é um fato mais recente: em 1989, Brasil e Chile se enfrentaram no Maracanã pelas eliminatórias da Copa 90. A torcedora Rosenery Mello do Nascimento, a "Fogueteira", disparou um sinalizador em direção ao campo, que veio a cair próximo do goleiro Rojas. O chileno fez um corte no supercílio com uma lâmina escondida na luva, fingindo ter sido atingido. Quando se descobriu a farsa, a FIFA puniu o goleiro (e também o técnico, o médico e um dirigente chileno), banindo-o do futebol. Talvez por não comungar do fanatismo do brasileiro por esse esporte, achei a pena exagerada. Mas fui o único num raio de quilômetros a ter essa opinião. Em geral, só o que se dizia era "bem feito, o que esses sem-vergonha estão pensando, blá blá blá..." Como se brasileiro nunca tivesse aprontado.

Pois também acho exagerada a punição de Rafinha. A impressão que fica é a de que não é a trapaça que é punida, mas a falha em não saber acobertá-la. O pecado não é fingir, é não fazê-lo com competência, deixando vazar a bem guardada informação de que existem engodos no futebol. Isso lembra aquela piada do político da América Central que afirmou que o presidente de seu país era um incompetente. Foi preso por revelar um segredo de estado.