sexta-feira, novembro 07, 2008

A descoberta

Eu tinha 24 anos em 1985 quando escutei no rádio do carro o locutor anunciando uma música de um roqueiro argentino, um tal de Charly Garcia. Nunca tinha ouvido falar nele, mas o rock "Nos Siguen Pegando Abajo" me fisgou na hora. Fiquei intrigado. Rock argentino? Por que não? Depois disso, tanto a Atlântida FM quanto a Ipanema passaram a divulgar músicas de Charly. E o mais importante: os discos (ainda em vinil) começaram a aparecer nas lojas. A princípio, contentei-me com uma coletânea. Mas logo foi anunciado um show de Charly Garcia em Porto Alegre, no Teatro da Ospa.

No dia 19 de junho de 1986, eu estava lá, na primeira fila, com um de meus sobrinhos. Gostei tanto do que ouvi que tratei de voltar na noite seguinte, ainda que só conseguisse lugar no mezanino. Não importava. Eu já estava conquistado por esse ídolo portenho, que foi imediatamente para o alto do meu ranking logo abaixo de Beatles e David Bowie. E voltei às lojas de Porto Alegre para garimpar mais discos. Agora as coletâneas já não me bastavam. Eu queria tudo, não só da carreira solo como das bandas que ele integrou nos anos 70: Sui Generis, Porsuigieco, Maquina de Hacer Pájaros e Seru Giran. Não era a primeira vez que eu fazia um levantamento retroativo da obra de algum músico que não acompanhara na época. Mas, nos outros casos, no mínimo, eu tinha uma vaga lembrança de ver os discos nas lojas ou ler alguma nota nas revistas de música. Desta vez, não. O rock argentino até então havia sido totalmente ignorado pela mídia brasileira. Descobrir esse universo inteiramente novo era quase como investigar a música de outro planeta. Enquanto nossos telescópios estavam apontados para Estados Unidos e Inglaterra, uma verdadeira revolução musical acontecia logo ali, ao sul da fronteira.

Tentei imaginar como devia ter sido a repercussão do som folk com letras contestadoras do Sui Generis em 72 e 73 na Argentina, aquelas músicas todas tocando nas rádios de Buenos Aires e fazendo sucesso, "Cancion Para Mi Muerte", "Confesiones de Invierno", "Rasguña las Piedras"... Procurei me colocar no lugar dos fãs argentinos aguardando cada novo disco, comparecendo aos shows, curtindo a Máquina de Hacer Pájaros, o Seru Giran... Outro dado supercurioso é que Charly morou em Búzios por algum tempo nos anos 70 e o primeiro LP do Seru Giran foi gravado no estúdio Eldorado, em São Paulo, com produção de Billy Bond. Sim, ele mesmo, que nós conhecemos como o vocalista do Joelho de Porco que substituiu Próspero Albanese por algum tempo no final dos anos 70 (e participou do LP da Som Livre, além de lançar dois álbuns solo para o mercado brasileiro logo depois).

Mas nem só de Charly Garcia vive o rock argentino. Outro nome importante é o de Luis Alberto Spinetta, que começou em 1968 no Almendra, depois integrou várias outras bandas, como Pescado Rabioso, Invisible e Spinetta-Jade. Hoje todos sabemos quem é Fito Paez, mas no show de Charly Garcia no Teatro da Ospa em 1986 ele era apenas um tecladista convidado. Houve também Los Gatos, Manal e muitos outros. Agora que comprei o "Diccionário del Rock Argentino" na Feira do Livro, terei um bom ponto de partida para investigar a fundo todo esse tesouro musical.

Depois de tudo o que escrevi, é quase obrigatória a republicação de uma foto que tirei e já havia mostrado antes: Charly Garcia em 1987 no Teatro Presidente. O roqueiro estava em forma, com todo o pique. Não sei se voltará a ser o grande artista que foi um dia, depois de tantas internações. Espero que se recupere. Mas que bom que pude vê-lo em sua melhor fase. Três vezes, aliás (ou cinco, contando os dois shows a que assisti duas vezes). Ah, sim: observem o cameraman no fundo à esquerda. A RBS gravou todo o show em vídeo, sob a orientação de Marcelo Sirotsky (que estava sentado bem na minha frente, na primeira fila). Depois a TV mostrou somente a música "No Soy Un Extraño" (eu tinha isso gravado em VHS, com apresentação de Kleiton Ramil, mas ainda não consegui localizar). Cadê esse tape completo?

2 Comments:

Anonymous Nomes para gatos said...

Prazer, Emílio! Siga escrevendo bem assim, que lgo terá uma legião de fãs! Boas sorte, seja bem-vindo! :)

5:07 PM  
Blogger Emilio Pacheco said...

O blog já tem nove anos. Se fosse para ter uma legião de fãs, já teria acontecido há muito tempo. Mas obrigado pelo elogio.

5:22 PM  

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