terça-feira, dezembro 15, 2009

O talento desconhecido

Adoro ler não-ficção, mas principalmente biografias de meus ídolos da música. O início é que é sempre a parte mais difícil. Alguns autores resgatam até mesmo a história dos bisavôs do biografado. Não sei nada nem a respeito dos meus, no entanto já li sobre a árvore genealógica de David Bowie, por exemplo. Dependendo da quantidade de ancestrais que um escritor resolve pesquisar, você dá um suspiro de alívio quando finalmente chega ao nascimento do protagonista. Mas ainda tem pela frente a infância, a escola, se foi um bom ou mau aluno, relacionamento com os pais e irmãos, enfim, quem lê biografias já sabe que tem que pagar esse pedágio até chegar no que realmente interessa: a carreira e o sucesso do ídolo.

Mas entre a primeira e a segunda parte, existe um momento de transição, que é aquele instante mágico em que surge a grande oportunidade. Em geral, os depoimentos sobre essa fase repetem clichês como "ele sempre teve talento", "ele se destacava entre os demais" e, principalmente: "eu sempre soube que ele faria sucesso". Claro! É fácil fazer afirmações como essas depois do fato. Profetizar sobre o passado é uma ciência exata, já diz um dos postulados da Lei de Murphy. Em geral, os próprios fãs querem acreditar que seus ídolos estavam predestinados à fama e nada os impediria de cumprir seu destino. Mas... e se alguma coisa tivesse dado errado? Se Brian Epstein não tivesse conhecido os Beatles ou se tivesse desistido depois de tantas recusas de gravadoras? Se David Bowie não obtivesse nenhum outro sucesso depois de "Space Oddity" em 1969, o que teria feito de sua vida? E se Roberto Carlos não tivesse estourado com "Calhambeque"? Será mesmo que, quando um artista tem talento, não há nada que o detenha em sua trajetória ao estrelato?

Jamais se conhecerão ao certo essas respostas. Se vivêssemos no universo das histórias em quadrinhos, poderíamos atravessar a barreira interdimensional e vistar alguma "Terra Dois" para saber o que aconteceu. Mas em alguns casos é possível analisar alguns fatores. No caso dos Beatles, por exemplo, vários contemporâneos do grupo em Liverpool afirmam que eles não eram nem melhores, nem piores do que outros que tocavam na noite. Pelo menos não no começo, antes de se fortalecerem nas maratonas noturnas de Hamburgo. Não vai muito longe: o baterista Pete Best foi afastado às portas do paraíso e acabou trabalhando numa padaria antes de fazer carreira como funcionário público. Hoje se diz que Ringo era um dos melhores bateristas de Liverpool e mereceu a fama que praticamente lhe caiu no colo. Mas também se sabe que havia outros instrumentistas tão bons quanto ele na cidade, alguns talvez melhores.

Em suma: para fazer sucesso, não basta talento. É preciso também sorte. Estar no lugar certo, na hora certa. Conhecer as pessoas certas. E isso faz pensar: assim como Beatles, David Bowie, Roberto Carlos e tantos outros tiveram seus bilhetes premiados, quantos artistas igualmente talentosos talvez nunca tenham tido a chance de desenvolver seus potenciais? Quantos bons compositores, cantores e instrumentistas podem estar por aí perdidos e esquecidos? Alguns com boas músicas na gaveta, outros com obras bem menores por falta de estímulo para criar? Você mesmo, em sua cidade, não conheceu pelo menos um ou dois artistas que imaginou que iriam estourar? Aí o tempo passou e eles acabaram se encolhendo. Uns permanecem na música sem grande destaque, outros desistiram.

Alguns países costumam homenagear o soldado desconhecido. Pois este texto é uma homenagem ao talento desconhecido. E às músicas e discos fantásticos que deixamos de ouvir nesta dimensão.