sábado, outubro 20, 2012

Kissology 2: mudanças, conflitos e o Brasil

Como "aquecimento" para a vinda do Kiss ao Brasil em novembro, publico aqui o comentário que escrevi em 2007 por ocasião do lançamento do volume 2 da série Kissology. Portanto, leiam tendo em mente que é um texto antigo, sem atualizações.

O segundo volume da sensacional overdose de material de arquivo que o Kiss disponibilizou em DVD também ganhou uma edição nacional, embora sem legendas (que fazem muita falta nas trilhas de comentários e também no filme que será citado adiante). Mas a edição importada era Região 1 e só tocava em players desbloqueados, então essa é a principal vantagem, além da disponibilidade e do preço. "Kissology 2" traz uma curiosidade para os fãs brasileiros: o show do Maracanã em 1983. Infelizmente, são só os trechos que a Globo mostrou num especial da época, com os mesmos cortes. E não entrou o clip de "God of Thunder", que foi exibido no dia seguinte ao show, no Fantástico. Mas a imagem e o som estão ótimos. Foi a última turnê do Kiss antes de tirar a maquiagem (a última apresentação foi na verdade em São Paulo). Todos os capítulos têm trilha de comentários e o testemunho de Gene Simmons e Paul Stanley, se não confirma, também não desmente o que revelou o ex-assessor Chris Lendt em seu livro "Kiss and Sell": segundo ele, o Kiss detestou o Brasil nessa primeira vinda.  

Enquanto rodam as imagens do Rio, Gene e Paul falam do público do Maracanã e o quanto ele foi importante para revitalizar a carreira de um grupo que vinha tocando para ginásios vazios em seu próprio país. Comentam também os problemas que tiveram com o novo guitarrista Vinnie Vincent, que em momento algum quis assinar contrato com a banda. E por fim tocam no assunto dos equipamentos que ficaram retidos no Brasil e que só foram recuperados depois de muita burocracia e persistência. Paul Stanley narra um fato que confere com o que já havia sido contado pelo empresário do Queen sobre a vinda do grupo de Freddie Mercury em 1981: Paul observou que o nome "Earth, Wind and Fire" estava estampado nos equipamentos do palco. "Depois entendi por quê: o nosso equipamento viria a se juntar ao deles", ironizou. Não falam nada sobre o país em si, enquanto, no show da Austrália, derramam elogios para a terra dos cangurus. 

(Uma observação pessoal: detesto quando algum estrangeiro vem ao Brasil e somente ao Brasil e fica falando que esteve "na América do Sul". Tudo bem, o Brasil fica na América do Sul, mas o Kiss não visitou nenhum outro país naquela ocasião, então por que não dizer simplesmente Brasil?) 

"Kissology 2" contém três DVDs, um a mais do que o primeiro volume, além do DVD bônus do show de 21/04/1988 no Japão, com boa qualidade (mas não está completo). O período abrangido é o de 1978 a 1991, a fase mais turbulenta da história do grupo. O Kiss foi concebido para ser um quarteto imutável, quatro imagens distintas aparecendo em igualdade de condições perante o seu público, como os Beatles, os Monkees e, de certa forma, o Queen. Gene, Paul, Ace e Peter eram como John, Paul, George e Ringo: insubstituíveis. Mas tudo isso iria mudar. 

O DVD 1 abre com uma pequena matéria exibida em 1978 no programa "Land of Hype Glory". Nos comentários, Gene explica que muitas vezes eles apareciam aplicando a maquiagem, mas era apenas encenação, eles já estavam maquiados e apenas colocavam um pouco mais de tinta branca sobre o rosto. O capítulo seguinte inclui a primeira aparição em DVD do filme "Attack of the Phantoms" (também conhecido como "Kiss Meets the Phantom of The Park"), de 1979, uma tentativa do Kiss de fazer o seu "Help". Mas foi considerado ruim e só passou na TV nos Estados Unidos. Mesmo assim, chegou ao cinema em outros países e é essa a versão que está no DVD, com diferenças na trilha sonora. Os comentários são dos atores Carmine Caridi, Don Lewis e Deborah Ryan. O grande atrativo para os fãs são a versão acústica de "Beth" e a apresentação de "Hotter Than Hell" com uma nova letra, rebatizada "Rip and Destroy". 

A seguir vem a antológica entrevista em "Tomorrow", o programa de Tom Snyder. Ace Frehley rouba a cena com suas tiradas de bebum, para o indisfarçável desconforto de Gene e Paul. Aliás, eles admitem isso nos comentários. "O que as pessoas normalmente não percebem é que o Ace engraçado e descontraído que elas vêem na televisão e entrevistas não é o mesmo Ace com quem tínhamos que lidar a maior parte do tempo. Há uma linha tênue entre andar em alta velocidade num carro de corrida e na fração de segundo seguinte sair da estrada", comenta Paul. Mas o problema maior, embora não transparecesse, era com o baterista Peter Criss. "Tomorrow" foi um dos últimos momentos em que os quatro apareceram juntos como um grupo de verdade. A despedida "oficial", ao menos visualmente, foi no clip de "Shandi", de 1980, que está no DVD 2. Peter Criss não tocou no disco, já havia sido afastado da banda, mas participou da filmagem. Em seguida Peter concede sua primeira entrevista como ex-membro do grupo, já sem maquiagem, mas ainda de costas para a câmera. Ele dá a entender que saiu porque quis, mas é contestado por Gene nos comentários.

O próximo capítulo é a apresentação oficial de Eric Carr, com sua inesquecível maquiagem de raposa. Ele já participa de dois clips para a TV alemã, "She's So European" e "Talk to Me". O DVD 2 segue em grande estilo com o show de Sydney, na Austrália, em novembro de 1980. A seguir vem uma apresentação do programa "Fridays" em que o grupo toca de verdade (isto é, não dubla) três músicas do renegado álbum "The Elder". Ao final, ouve-se "I Love it Loud" em dublagem para a TV holandesa. 

O DVD 3 é o que começa com a apresentação no Rio, já com Vinnie Vincent no lugar de Ace Frehley. Depois vem a histórica entrevista para a MTV em que mostraram suas caras limpas pela primeira vez. Logo após, aparecem trechos do primeiríssimo show sem maquiagem, em Lisboa. Vinnie veio a ser substituído por Mark St. John, mas o novo guitarrista teve síndrome de Reiter (que resulta, entre outras coisas, em artrite) e deu lugar a Bruce Kulick. A única imagem de Mark no DVD é num "ovo de Páscoa" em que ele é apresentado rapidamente. É Bruce quem está na formação nos dois shows seguintes, inclusive participando nos comentários, já que ainda mantém um bom relacionamento com Gene e Paul. 

A apresentação de dezembro de 1987 na Filadélfia inclui só cinco músicas, mas o show de outubro de 1990 em Detroit está praticamente completo e vem sendo considerado pelos fãs como o ponto alto da coletânea. Era a turnê "Hot in The Shade", um disco fraco, que rendeu apenas duas músicas para o set list: "Hide Your Heart" e "Forever". O restante do repertório é impecável e a banda está em ótima forma. Destaque para o solo de bateria de Eric Carr reforçado por sons de sintetizador. Infelizmente, Eric teria os primeiros sinais de câncer logo após a turnê. Sua última participação foi no clip de "God Gave Rock and Roll To You". A exemplo de Peter Criss, ele se despediu fingindo tocar numa gravação em que não contribuiu. Outro "ovo de Páscoa" mostra um vídeo caseiro de Eric no hospital, meses antes de falecer, em 1991. 

Vamos ver se também lançam no Brasil o "Kissology 3", incluindo a fase com Eric Singer e a volta da maquiagem. Essa série de shows históricos é um belo exemplo que outros artistas poderiam seguir, como Genesis, Elton John, David Bowie, Paul McCartney...