domingo, abril 23, 2017

Jerry Adriani

Tive uma fase de curtir Beatles e Jovem Guarda na tenra infância, antes dos 5 anos. Mas minha paixão por música começou pra valer no final de 1971, às vésperas de completar 11 anos. Fui à minha primeira "reunião dançante", no aniversário de um colega, e ali a semente foi plantada. Comecei a pedir discos de presente de aniversário e também a comprá-los com o dinheiro de minha mesada. O verão de 1972, na praia de Atlântida, foi ao som de Roberto Carlos (o LP de "Detalhes"), Renato e Seus Blue Caps (o LP de "46-77-23") e Fevers (o LP "Explosão Musical").

Na volta a Porto Alegre, fui começando aos poucos minha coleção. Na música estrangeira, foi o auge de minha fase B.J. Thomas. A redescoberta dos Beatles só viria no ano seguinte. Mas eu curtia mesmo era a turma do pós-Jovem Guarda. E um sonho de consumo que levei alguns meses para realizar era o de comprar o LP Pensa em Mim, de Jerry Adriani. As músicas "Doce, Doce Amor", "Vai Caindo Uma Lágrima" e "Pensa em Mim" tocavam direto em rádios como Itaí, Caiçara e Princesa. Um dia, não lembro se de presente ou com dinheirinho economizado, finalmente adquiri o tão sonhado disco. E aí descobri outras faixas interessantes, como "Te Levo No Coração" e "Eu Não".

Na virada de 73 para 74, nos meus 13 anos, meu gosto musical sofreu uma transformação. Comecei a ouvir David Bowie e Pink Floyd e, de certa forma, me elitizei. Com aquela típica babaquice de garoto em começo de adolescência, decretei que "não gostava mais" de Jerry Adriani, Fevers, Renato e Seus Blue Caps e toda aquela turma. Parei de ouvir a rádio Itaí e me concentrei exclusivamente na Continental. Só viria a me livrar desse preconceito aos 25 anos, quando Renato e Seus Blue Caps vieram tocar em Porto Alegre, no Le Club. Fui vê-los e descobri que ainda gostava. Por fim, quando diversos LPs de Jerry Adriani foram relançados em CD no século XXI, comprei todos. Breguice, aqui me tens de regresso...

Não sei como Jerry lidava com o rótulo, mas nos anos 70 ele era considerado, sim, brega. Ou cafona. A reavaliação de sua importância viria bem mais tarde. Em 1974, a Rádio Continental de Porto Alegre enviava uma gravação promocional a anunciantes em potencial, onde descrevia a programação e o público-alvo da emissora. Por exemplo, no Pediu, Rodou, Ganhou, o ouvinte pedia uma música e, se ela fosse selecionada, não só rodava no ar, como ainda era enviada em fita a quem a solicitou. Mas o texto enfatizava: "É claro que, se ele pedir Jerry Adriani, não vai ouvir nunca!" Teve também uma historinha da turma da Mônica em que Pipa queimava seu filme com o hippie Rolo ao lhe dizer que queria "a letra do último disco do Jerry Adriani".

Mas brega e chique eram apenas fachadas de marketing. Isso ficava evidente ao verificar-se o que ocorria nos bastidores. Basta dizer que foi Jerry quem trouxe Raul Seixas da Bahia para o centro do país. E o Maluco Beleza compôs diversas músicas para a turma do pós-Jovem Guarda na CBS, quase todas em parceria com Mauro Motta. Ele assinava "Raulzito". Uma dessas composições era justamente a clássica "Doce, Doce Amor". Mais tarde, quando Raul tornou-se um lendário roqueiro, aos poucos a importância de Jerry em sua carreira foi sendo descoberta. Também o sucesso da Legião Urbana nos anos 80 fez com que muitos notassem a influência de Jerry na interpretação de Renato Russo. Tanto que, em 1999, Jerry gravou o CD Forza Sempre, com versões em italiano de músicas do grupo.

Outra curiosidade: o primeiro grande sucesso de Barry Manilow foi "Mandy", em 1974. Mas Jerry havia gravado a música antes. É que a canção nada mais era do que "Brandy", lançada em 1971 pelo autor Scott English, com outro título. E Jerry incluiu uma versão de "Brandy" em seu LP de 1972, com o título "Oh Baby".

Jerry completou 70 anos no dia 29 de janeiro. Seu verdadeiro nome era Jair Alves de Souza. O pseudônimo veio do comediante Jerry Lewis e o sobrenome Adriani foi para combinar com as músicas italianas que o cantor interpretava no início da carreira. Jerry Adriani faleceu hoje, de câncer. Mas deixou uma autobiografia pronta, que deverá ser editada e publicada pelo pesquisador Marcelo Fróes. É um compromisso que Marcelo assumiu com Jerry e seus herdeiros.