quarta-feira, março 21, 2018

Genesis vive em Steve Hackett

Alguns artistas, antes tarde do que nunca, aprendem a dar ao seu público o que ele quer. O guitarrista Steve Hackett deixou o Genesis no final de 1977 em busca de maior liberdade criativa. Lançou discos solo, conquistou o respeito da crítica e trabalhou com grandes músicos e cantores. Enquanto isso, o seu velho grupo foi mudando de estilo, flertando com o pop até que, em 1997, se desfez. Bendito o momento, mais ou menos nessa época, em que Steve decidiu resgatar o repertório do Genesis da fase progressiva. O show que ele faz atualmente recria com perfeição os clássicos do grupo, para deleite dos fãs.
Steve e sua banda entraram no palco do Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, poucos minutos depois das 9 da noite de ontem, sem comprometer a tradição da pontualidade britânica. A primeira parte da apresentação foi da carreira solo do músico, entre números instrumentais (com alguns momentos de rock pesado, como em "El Niño") e a radiofônica "Every Day". "When The Heart Rules the Mind", do GTR (grupo que Steve formou nos anos 80 com seu xará Steve Howe, do Yes), começou cantada pelo próprio Steve.  Durante o refrão, surgiu no palco o cantor Nad Sylvan, com sua postura andrógina, todo de preto, sempre sério (fazendo tipo, talvez?), e somou sua voz ao grupo.

Nad se retirou durante a próxima, mas voltou para o instante mais esperado do show: as canções do Genesis. Ele chegou interpretando o primeiro verso de "Dancing with the Moonlit Knight" à capela, bem como no arranjo original, e o público foi ao êxtase. Alguns tentaram balbuciar a letra, mas somente o trecho "selling England by the pound" foi corretamente cantado por todos. A partir desse momento, foi como se os fãs do velho Genesis embarcassem numa máquina do tempo. Nad imita com perfeição as vozes de Peter Gabriel e Phil Collins e a banda esbanja competência nos instrumentos.
Vieram "Fountain of Salmacis" e "Firth of Fifth", essa incluindo a introdução de teclado que nunca era tocada em apresentações ao vivo. "The Musical Box" foi precedida de um som de caixinha de música que não constava na gravação original, mas Steve criou para a regravação do projeto Genesis Revisited. No refrão, o verso "play me my song" cantado por Nad era respondido pelo baterista Gary O' Toole: "here it comes again", imitando a dobradinha Peter Gabriel/Phil Collins que se vê em vídeos históricos do Genesis. O apoteótico final "why don't you touch me NOW, NOW, NOW..." foi orgasmicamente acompanhado pela plateia. 
Num rápido retorno à carreira solo de Steve, a banda tocou "Icarus Ascending", com Nad fazendo o vocal que havia sido gravado por Richie Havens em 1978. A seguir, ouviram-se os mais de 20 minutos da suíte "Supper's Ready", originalmente um lado inteiro do LP Foxtrot. Para quem esteve no Gigantinho assistindo ao Genesis em 1977, as duas próximas foram especialmente marcantes: "One For the Vine" havia sido o momento do raio laser e "Inside and Out" tinha sido cantada praticamente em primeira mão, com Phil Collins anunciando "uma música nôva para vocês".  
Despedida oficial, volta para o bis e, agora sim, o encerramento com "Los Endos". Um show absolutamente maravilhoso para fãs do rock progressivo dos anos 70. Guardadas as proporções, Steve Hackett está mantendo viva a obra do Genesis mais ou menos como Paul McCartney faz com a dos Beatles. Para quem vai aos concertos, é como se as respectivas bandas ainda existissem. Infelizmente, a cunhada de Steve, a linda guitarrista e vocalista Amanda Lehmann, não está mais tocando com ele, como fez até o ano passado. Seria um colírio a mais.
Musicalmente, não ficaram lacunas. Além dos músicos citados, participaram Roger King nos teclados, Rob Townsend no sax e flautas e Jonas Reingold no baixo. O Auditório Araújo Vianna foi ocupado apenas pela metade, a maior parte na plateia baixa, mais próxima do palco (talvez alguns tenham descido da plateia alta, aproveitando assentos vazios). É uma pena que um espetáculo tão perfeito não tenha conseguido encher o local. Quem foi viveu uma noite inesquecível.